Escrito por Vinicius Névoa
Desacoplamento de movimentos
Aqui trataremos de uma ideia que tem a ver com escalas de tempo, e de como movimentos que ocorrem em escalas de tempo muito distintas podem ser desacoplados. Muitas vezes vemos na natureza fenômenos que são a composição de duas ou mais oscilações de frequências muito distintas.
Por exemplo, as estações do ano e o ciclo noite-dia afetam a temperatura que percebemos. Contudo, a troca da noite pelo dia ocorre tão mais frequentemente que a troca das estações que podemos, qualitativamente, dizer que uma época do ano é mais fria do que outra baseando-se apenas nas estações e ignorando os vai-e-vem diários.
Separar fenômenos físicos em fase rápida e fase lenta, pode fazer surgir propriedades para além de meras distinções qualitativas como a acima, como estabilização dinâmica, ressonâncias paramétricas e outros. Por questões didáticas, primeiro solucionarei um problema famoso, e depois desenvolveremos uma teoria geral.
O Pêndulo de Kapitza
Um pêndulo simples possui dois pontos de equilíbrio: e . Contudo, esse último ponto de equilíbrio é instável. Curiosamente, é possível torna-lo estável se o ponto de suporte do pêndulo oscilar verticalmente muito rápido!
Seja um pêndulo simples de massa e comprimento , e a posição do ponto de apoio sendo . Considere e . Ache a condição para que a posição seja um equilíbrio estável.
Solução:
Como , isso quer dizer que quando o ponto de suporte tiver feito uma oscilação completa, a o ângulo que o pêndulo faz com a vertical não terá tido tempo de mudar apreciavelmente. Para quantificar isso, escreveremos a coordenada da posição do pêndulo como a soma de uma fase lenta e uma fase rápida, definidas como na figura:
Aplicando a lei dos senos no triângulo ABC:
Temos que é um ângulo pequeno pois . Vamos escrever o torque agindo na massa em relação ao ponto de suporte B. As forças são (usando ):
Agora calcularemos os torques, ou melhor, a média dos torque durante um período de oscilação de , já que nosso interesse é a coordenada lenta :
Entrando e saindo do papel respectivamente. Agora, basta abrir os senos e cossenos: qualquer termo que for proporcional a ou terá média zero. É fácil ver que:
Veja bem, o que isso quer dizer? Na escala de tempo em que muda apreciavelmente (e por isso fizemos a média), a gravidade tenta fazer o pêndulo cair e a força inercial tenta mantê-lo no topo. Para que seja estável, o torque inercial deve ganhar:
Substituindo , que é o nosso ponto de interesse, essa estabilidade ocorre desde que:
É possível, inclusive, determinar até onde o desvio da vertical será estável. Os pontos críticos são aqueles nos quais o torque médio total é nulo:
Comentário sobre energias: se você quiser tentar fazer esse exemplo por energia, cuidado! A energia desse sistema não se conserva, já que a força que faz oscilar o suporte do pêndulo realiza trabalho a todo instante. Contudo, se você for bem versado em mecânica analítica, sugiro fortemente que tente fazer esse exemplo com formalismo Lagrangiano ou Hamiltoniano, que já incluem naturalmente o trabalho da força externa. De fato, o pêndulo de Kapitza e sistemas análogos são normalmente resolvidos por Lagrangiana, esse método por torques acima é um "bizu" para ilustrar a ideia. Alguns outros comentários para quem se aventurar:
- A função Hamiltoniana não corresponderá à energia total do sistema (isso é porque o vínculo entre a coordenada e as coordenadas cartesianas é reonômico, ou seja, depende do tempo)
- Quando se soma a derivada temporal total de uma função à uma Lagrangiana, as equações de movimento são mantidas inalteradas:
Isso é porque o que importa é a variação da ação, que é a integral da Lagrangiana no tempo, então somar uma constante à ação é irrelevante. Use esse fato para fazer sumir termos da Lagrangiana.
Teoria Geral
Agora que fizemos um exemplo, vamos desenvolver uma teoria geral para isso no contexto da mecânica clássica, primeiro para o caso de apenas um grau de liberdade. Seja uma partícula de massa sujeita a um potencial externo . Suponha que essa partícula executa, sob ação desse potencial apenas, um movimento que se confina numa região finita do espaço (i.e, que é uma órbita fechada no espaço de fase), e que esse movimento se repete com um tempo característico . Agora suponha que, em adição a esse campo , seja ligada uma força:
Com a propriedade que e de que as amplitudes dos movimento que ela causa são pequenas. Isso nos convida a separar a coordenada da partícula em uma fase rápida e uma fase lenta:
A equação de movimento é:
Como, por hipótese, é pequeno, vamos expandir em primeira ordem nele:
A equação de movimento pode ser escrita como:
O desacoplamento é afirmar que as partes rápidas e as partes lentas da equação acima são satisfeitas separadamente.
- Parte rápida: apesar da amplitude de ser pequena, é grande uma vez que a frequência é grande. Por isso, vamos desprezar os termos (rápidos) de ordem do lado direito:
O que, pela forma da função , permite integração direta:
- Parte lenta: Vamos fazer a média temporal da equação de movimento. Perceba que todo termo que contenha apenas uma potência de ou rende média zero. Os únicos termos que sobrevivem são:
Agora, a parte mais importante: vamos jogar aquele para dentro da derivada:
Em que o potencial efetivo é:
Perceba que isso pode ser escrito como:
Ou seja, o potencial efetivo da coordenada lenta é o potencial real somado a energia cinética média da parte rápida!
Observações finais:
- No caso da força externa ser uma superposição de frequências, duas a duas desacopláveis, é fácil ver que (produtos de funções senoidais de frequencias muito diferentes são dominados pela de maior frequência tem média zero):
- O resultado acerca da energia cinética é válido para mais coordenadas: mesmo se o sistema tiver vários graus de liberdade, o potencial efetivo da coordenada lenta continua sendo o potencial real mais a energia cinética média total do movimento rápido.
Exercícios:
1) Quase Kapitza
Quais são os pontos de equilíbrio estável de um pêndulo cujo suporte oscila muito rápido na horizontal, sendo a amplitude dessa oscilação pequena?
2) Cometa infrequente
Um cometa de massa orbita uma estrela de massa em uma órbita fechada de energia e excentricidade . Então, por algum processo astrofísico, a massa da estrela começa a variar como:
Se o período dessa oscilação for muito menor que o da órbita, e , qual a nova excentricidade média ?
3) Andando com suavidade
Quando uma pessoa anda, existe uma certa estabilização dinâmica causada pelo andar que ajuda seu tronco ficar ereto. Obviamente, apenas caminhar não é suficiente: os músculos da base da coluna garantem que a parte superior do nosso corpo não caia, como um pêndulo invertido faria. Seja uma pessoa de altura e comprimento das pernas . A parte superior do seu corpo pode ser pensada como um pêndulo invertido de massa efetiva , concentrada no topo da cabeça. Se a abertura angular da pernas quando a pessoa caminha é , e sua cabeça permance na mesma altura sempre, estime o aumento da estabilidade quando ela anda com uma velocidade , em que o aumento da estabilidade é a variação do expoente real que governa a queda do "pêndulo efetivo".