Física - Ideia 34

Escrito por Vinicius Névoa

 

O poço quadrado infinito e as condições de contorno

O poço quadrado infinito é, muitas vezes, o exemplo que inaugura a apresentação do aparato matemático desenvolvido na parte 1 dessa introdução. Ele é definido pelo seguinte potencial V(x):

Em palavras, ele é nulo no poço e infinito em todas as suas adjacências. Isso nos permite escrever a equação de Schrödinger independente do tempo para uma partícula de massa m dentro do poço como:

-\dfrac{\hbar^2}{2m} \dfrac{\partial^2 \psi(x)}{\partial x^2} = E \psi

 Cujas soluções são da forma:

\psi(x) = A \sin(k x +\phi)

k=\dfrac{\sqrt{2 m E}}{\hbar}

Você deve ter percebido que faltam informações, não é? Como determinar A? E \phi? E principalmente o k, afinal de contas o E continua sendo uma constante desconhecida. Eis que entram as condições de contorno:

  1. A função de onda é sempre contínua no espaço, ou seja \psi(x) não possui descontinuidades do tipo salto.
  2. A primeira derivada da função de onda \left( \dfrac{\partial \psi}{\partial x} \right) também é contínua, salvo em casos (artificias) em que V(x) diverge.

A primeira condição se deve ao fato de que, se \psi(x) fosse descontínua, haveria ambiguidade na probabilidade de achar a partícula na posição x da descontinuidade; como essa probabilidade é mensurável e bem definida, então \psi(x) deve ser contínua.

A segunda condição é mais sutil, e vem da integração da equação de Schrödinger:

-\dfrac{\hbar^2}{2m} \displaystyle{\int \limits_{x-\epsilon}^{x+\epsilon} \dfrac{\partial^2 \psi(x)}{\partial x^2} dx}=\displaystyle{\int \limits_{x-\epsilon}^{x+\epsilon} (E - V(x)) \psi dx}

No limite em que \epsilon \rightarrow 0, o lado esquerdo é simplesmente a variação da primeira derivada de \psi imediatamente antes e imediatamente depois de x:

-\dfrac{\hbar^2}{2m} \Delta \left( \dfrac{\partial \psi(x)}{\partial x} \right)=\displaystyle{\int \limits_{x-\epsilon}^{x+\epsilon} (E - V(x)) \psi dx}

Veja que sempre que E-V(x) for finito, como se prova verdade em toda situação real, a integral do lado direito é nula por conta da continuidade de \psi(x), implicando o que queríamos mostrar:

\Delta \left( \dfrac{\partial \psi(x)}{\partial x} \right) = 0

Agora vamos retornar da nossa digressão direto para o fundo do poço. Como o potencial fora do poço é infinito, a função de onda nessas regiões é nula. Logo, a primeira condição nos diz que \psi(0)=\psi(L)=0. Lembre-se que:

\psi(x) = A \sin(k x +\phi)

k=\dfrac{\sqrt{2 m E}}{\hbar}

A primeira igualdade rende que \phi=0 e a segunda rende algo muito significativo:

kL=n \pi  \Rightarrow E_{n}=\dfrac{\pi^2 \hbar^2 n^2}{2 m L^2}

Vamos por em palavras o que acabou de acontecer: as condições de contorno da função de onda obrigaram a energia do sistema a ser quantizada! Cada número natural n rende um nível de energia para a partícula. Agora vamos tratar do fator A: ele vem na normalização da função de onda, de modo que a probabilidade total de achar a partícula no poço seja 1.

\displaystyle{\int \limits_{0}^{L} A^2 \sin^2(kx) dx} = 1 \Rightarrow A=\sqrt{\dfrac{2}{L}}.

Agora, note que achamos uma solução para cada nível de energia n, e, como dissemos no artigo anterior, a solução geral é uma combinação linear da seguinte família de funções de onda:

\psi_{n}(x) = \sqrt{\dfrac{2}{L}} \sin \left(\dfrac{n \pi x}{L} \right)

Vamos ilustrar um exemplo. Suponha que, no instante inicial, valha que \Psi(x,0) =\sqrt{\dfrac{30}{L^{5}}} x(L-x). Já forneci a expressão normalizada, por isso o fator numérico. Note que essa função de onda é nulo no início e no final do poço, como deveria. Qual a probabilidade da partícula ser medida em um nível de energia n?

Note que como já normalizamos as funções onda de cada nível de energia, não precisamos mais do denominador na expressão para achar os coeficientes c_{n}:

c_{n} = \displaystyle{ \int \limits_{0}^{L} \sqrt{\dfrac{30}{L^{5}}} x(L-x) \psi_{n}(x) dx}.

c_{n} = \displaystyle{ \int \limits_{0}^{L} \sqrt{\dfrac{30}{L^{5}}} x(L-x) \sqrt{\dfrac{2}{L}} \sin \left(\dfrac{n \pi x}{L} \right) dx}.

Resolvendo a integral:

c_{n}= 0 para n par

c_{n}= \dfrac{8 \sqrt{15}}{(\pi n)^{3}} para n ímpar

Isso significa que a probabilidade da partícula estar no estado fundamental n=1 em qualquer tempo futuro é de cerca de 99,85\% (Isso é dado por c^{2}_{1}).