Física - Ideia 36

Escrito por Paulo Henrique

Diagramas de Minkowski

A análise de eventos relativísticos é melhor realizada a partir de um tipo de diagrama diferente do usual, os diagramas espaço-tempo (ou diagramas de Minkowski). Com ele, conseguimos visualizar melhor como as coordenadas de eventos se transformam entre referenciais. Esses diagramas nada mais representam do que o diagrama ct versus x. A escala do eixo vertical do tempo (ct) é multiplicada por c para que as unidades dos dois eixos sejam a mesma, além disso, dessa forma, a trajetória de um pulso luminoso é uma simples reta de inclinação \pi/4.

Trabalhemos com os dois referenciais S e S', onde o referencial S' se move com velocidade constante v ao longo do eixo x, em relação à S. Ao desenharmos os eixos ct e x, como ficam os eixos x' e ct' super impostos no diagrama? Observe que as coordenadas y e z não nos interessam (as mudanças ocorrem somente na direção do movimento, que foi definida como a direção x). Para respondermos essa pergunta, podemos usar as transformadas de Lorentz. Primeiramente, olhemos para o eixo ct'. O ponto (x',ct')=(0,1) (que está sobre o eixo ct', a uma unidade da origem) têm coordenadas (x,ct)=({\gamma}v/c,\gamma), pelas transformadas de Lorentz (as origens de S e S' coincidem em t=t'=0). Logo, o ângulo entre os eixos ct' e ct é dado por \tan{\theta_1}=\dfrac{x}{ct}=v/c (veja figura abaixo).  Também podemos relacionar as unidades de escala dos eixos ct e ct'. O ponto (x',ct')=(0,1) está a uma unidade da origem, mas esse ponto é também o ponto (x,ct)=({\gamma}v/c,\gamma), que está a uma distância \gamma\sqrt{1+v^2/c^2} da origem. Portanto, definindo \beta=v/c, temos a relação entre uma unidade nos dois eixos

\boxed{\dfrac{d_{ct'}}{d_{ct}}=\sqrt{\dfrac{1+{\beta}^2}{1-{\beta}^2}}}

Onde d_{ct'} equivale a uma unidade ao longo do eixo ct', analogamente para o eixo ct.

Agora, façamos a mesma análise para o eixo x'. Olhemos para o ponto (x',ct')=(1,0). Usando as transformadas de Lorentz, esse mesmo ponto pode ser representado por suas coordenadas vistas pelo referencial S (x,ct)=(\gamma,{\gamma}v/c). O ângulo entre os eixos x e x' é, portanto \tan{\theta_2}=\dfrac{ct}{x}=v/c (veja figura abaixo). De forma análoga ao que fizemos para os eixos ct e ct', deduzimos a relação entre as unidades ao longo dos eixos x e x'

\boxed{\dfrac{d_x'}{d_x}=\sqrt{\dfrac{1+{\beta}^2}{1-{\beta}^2}}}

A representação dos eixos x' e ct' no papel é da seguinte forma

A grande vantagem desses diagramas é que podemos visualizar geometricamente as transformações entre referenciais. Agora, estamos aptos a obter os principais resultados da relatividade restrita, a partir desses diagramas.

Dilatação do tempo

Um graveto de 1 metro está em repouso sobre o eixo x' do referencial S' (que se move com velocidade v em relação à S). Qual seu tamanho visto por alguém em S?

Seja a extremidade esquerda do graveto a origem de S'. As linhas de universo das duas extremidades estão representadas abaixo (uma linha de universo é o lugar geométrico das posições ocupadas por uma partícula no diagrama espaço-tempo)

Na figura acima, a distância AC é 1 metro, pois é a diferença entre as posições das duas extremidades medidas em tempos iguais (em S'). Mas, sabemos que uma unidade ao longo do eixo x' vale \sqrt{\dfrac{1+{\beta}^2}{1-{\beta}^2}}, logo, o comprimento AC no papel é dado por essa quantia. Para medir o comprimento do graveto, um observador em S deve fazer as medições das posições das extremidades da barra em tempos iguais. Suponha que essas medidas sejam feitas em, digamos, t=0. O que precisamos, portanto, é determinar a distância AB. Lembre-se que \tan{\theta}=v/c. Uma simples geometria nos dá

AB=AD-BD=AC\cos{\theta}-AC\sin{\theta}\tan{\theta}=\sqrt{1-{\beta}^2}

Que concorda com o que esperávamos. Fica como exercício calcular o comprimento medido em S' quando a vara está em repouso em S.

Problemas resolvidos

Nessa seção, serão apresentadas as soluções de dois problemas bem importantes para o entendimento do assunto. Eles servirão de base para a solução dos problemas propostos.

Carga em um campo elétrico

Uma carga elétrica está numa região onde há um campo elétrico E (constante) apontando na direção x. Mostre que uma solução particular para as equações de movimento é

x=\dfrac{mc^2}{qE}\cosh{\left(\dfrac{qE{\tau}}{mc}\right)}   e    t=\dfrac{mc}{qE}\sinh{\left(\dfrac{qE{\tau}}{mc}\right)}

Onde \tau é o tempo próprio da partícula carregada. Desenhe a linha de universo da partícula carregada.

Agora, um observador se move ao longo dessa linha de universo, começando em t=0 e x=\dfrac{mc^2}{qE}. Além disso, em \tau=0, o observador deixa um satélite em repouso na sua posição inicial. Esse satélite emite flashes de luz a uma taxa f, que é constante no referencial do satélite. Mostre que somente um número finito de flashes pode chegar a atingir o observador.

Solução:

Para que o conjunto de equações acima seja, de fato, uma solução, deve satisfazer

\dfrac{dp}{dt}=qE

Onde p=\dfrac{mv}{\sqrt{1-v^2/c^2}}

Verifiquemos a condição explicitamente: v=\dfrac{dx}{dt}=\dfrac{\dfrac{dx}{d\tau}}{\dfrac{dt}{d\tau}}=\dfrac{c\sinh{\left(\dfrac{qE\tau}{mc}\right)}}{\cosh{\left(\dfrac{qE\tau}{mc}\right)}}=c\tanh{\left(\dfrac{qE\tau}{mc}\right)}. Usando que 1-\tanh^2{x}=1/\cosh^2{x}, obtemos p=mc\sinh{\left(\dfrac{qE\tau}{mc}\right)}. Logo \dfrac{dp}{dt}=\dfrac{\dfrac{dp}{d\tau}}{\dfrac{dt}{d\tau}}=\dfrac{qE\cosh{\left(\dfrac{qE\tau}{mc}\right)}}{\cosh{\left(\dfrac{qE\tau}{mc}\right)}}=qE. Ainda precisamos mostrar que \tau é o tempo próprio.

Para mostrar que o parâmetro \tau é o tempo próprio, verifiquemos se é satisfeito c^2dt^2-dx^2=c^2d\tau^2. Diferenciando as equações fornecidas no enunciado dx=c\sinh{\left(\dfrac{qE\tau}{mc}\right)}d\tau e dt=\cosh{\left(\dfrac{qE\tau}{mc}\right)}d\tau. Dessa forma

c^2dt^2-dx^2=c^2\left(\cosh^2{\left(\dfrac{qE\tau}{mc}\right)}-\sinh^2{\left(\dfrac{qE\tau}{mc}\right)}\right)d\tau^2=c^2d\tau^2

Pelas relações do enunciado

x^2-c^2t^2=\left(\dfrac{mc^2}{qE}\right)^2

Que é uma hipérbole equilátera centrada na origem.

As linhas de universo dos flashes são retas de inclinação \pi/4 que vão "subindo" a medida que o tempo passa

Agora, observe a superposição das linhas de universo dos flashes com a trajetória do observador (a linha tracejada é uma assíntota da hipérbole, que é a reta x=ct)

Geometricamente, vemos que todos os flashes emitidos acima do ponto A nunca alcançaram o observador. O limite é obtido fazendo a intersecção das retas x=mc^2/qE com a reta x=ct. O ponto de intersecção é dado por (x,ct)=(mc^2/qE,mc^2/qE). Logo, o número N de flashes é dado por ft:

\boxed{N=\dfrac{mcf}{qE}}

 

Espaçonave com aceleração própria constante

Uma espaçonave move-se com aceleração própria g ao longo de uma reta. Em um certo momento, ela lança dois misseis  na direção de seu movimento, um com velocidade v, e o outro com velocidade 2v (ambas velocidades em relação à espaçonave). Ache o intervalo de tempo próprio entre os momentos em que a espaçonave alcança o primeiro míssil e o segundo.

Solução:

Aqui aproveitaremos o resultado do problema passado. Antes disso, lembremos o que significa aceleração própria. Se d\tau é o intervalo de tempo próprio infinitesimal, a velocidade da nave em relação ao referencial instantâneo que se move com v(\tau) (em relação ao referencial do laboratório) é gd\tau. Não confunda referencial instantâneo com o referencial da nave. O referencial da nave tem velocidade variável (pois a nave acelera) em relação ao laboratório, enquanto um referencial instantâneo move-se com velocidade constante (igual a v(\tau), ou seja, para cada instante definimos um referencial distinto, que move-se para sempre com a velocidade da nave naquele instante) em relação ao laboratório. Portanto, a velocidade da nave em relação ao laboratório para um tempo próprio \tau+d\tau é dada por (pela fórmula de adição de velocidades relativísticas)

v(\tau+d\tau)=\dfrac{v(\tau)+gd\tau}{1+gd\tau.v(\tau)/c^2}=v(\tau)+dv

Assim,

dv=g\left(1-v^2/c^2\right)d\tau

Pela dilatação do tempo, podemos escrever d\tau=\sqrt{1-v^2/c^2}dt. Com isso

m\dfrac{\dfrac{dv}{dt}}{\left(1-v^2/c^2\right)^{3/2}}=mg

Por outro lado F=\dfrac{dp}{dt}=\dfrac{d\left(\dfrac{mv}{\sqrt{1-v^2/c^2}}\right)}{dt}=[m\dfrac{\dfrac{dv}{dt}}{\left(1-v^2/c^2\right)^{3/2}}=mg. Portanto, esse problema equivale a um problema na qual a força aplicada é constante, parecido com o caso do problema passado. Podemos usar os resultados do mesmo se fizermos mg=qE. Outra alteração necessária é a da posição inicial da nave. No problema passado, a partícula começava na posição x_0=\dfrac{mc^2}{qE}=\dfrac{c^2}{g}. Naquele cenário, obtivemos x^2-c^2t^2=\dfrac{c^4}{g^2}. No problema atual, convém definir a posição inicial da nave em x=0. Essa alteração é simplesmente uma translação da origem da hipérbole do problema passado, a equação modificada é (x+\dfrac{c^2}{g})^2-c^2t^2=\dfrac{c^4}{g^2}. Agora, façamos um truque para facilitar o problema. Usando a unidade imaginária i=\sqrt{-1}, podemos reescrever a equação da hipérbole da seguinte forma (x+\dfrac{c^2}{g})^2+(ict)^2=\dfrac{c^4}{g^2}. Essa equação representa, no plano ict versus x, uma circunferência de centro (-\dfrac{c^2}{g},0) e raio \dfrac{c^2}{g}, conforme figura abaixo.

A vantagem desse truque é que poderemos usar o teorema do ângulo inscrito. Agora, sejam A o ponto em que a nave intercepta o míssil mais rápido e B o ponto em que intercepta a mais lenta. Esses pontos tem coordenadas genérica (2vt_A,ict_A) e (vt_B,ict_B), respectivamente. Perceba que eixo ct' da nossa análise teórica dos diagramas de Minkowski "acompanha" a nave: ela sempre está na posição x'=0. Portanto, o comprimento da linha de universo (entre pontos separados temporalmente por um intervalo de tempo próprio \tau) da nave tem comprimento ic\tau! Logo, o intervalo requerido é dado por

\tau=\dfrac{1}{ic}\left(\angle{OSB}-\angle{OSA}\right)

Pelo teorema do ângulo inscrito \angle{OSA/2}=\angle{OAA'}=\arctan{\dfrac{2vt_A}{ict_A}}=\arctan{\dfrac{2v}{ic}}, onde A' é a projeção ortogonal de A sobre o eixo ict. Por outro lado, temos que \tanh{\theta}=-i\tan{i\theta}. Logo, \tan{\angle{OSA/2}}=-i\tanh{i\angle{OSA/2}}=-i2v/c. Sendo assim \angle{OSA/2}=-2i\tanh^{-1}{2v/c}. Analogamente, \angle{OSB/2}=-2i\tanh^{-1}{v/c}. Finalmente

\boxed{\tau=\dfrac{2c}{g}\left(\tanh^{-1}{2v/c}-\tanh^{-1}{v/c}\right)}

Problemas propostos

Continuação do 1° problema resolvido

Após um tempo finito, o observador decide recuperar o satélite. Mostre que ele não pode demorar mais que \tau=\dfrac{mc}{qE}\sinh^{-1}{\left(\dfrac{3}{4}\right)} para tomar essa decisão.

Contração das distâncias

Deduza esse efeito fundamental a partir de um diagrama de Minkowski.

Soma de velocidade por diagramas espaço-tempo

Deduza a fórmula para adição de velocidades relativísticas a partir de um diagrama de Minkowski.

Batendo palmas

O gêmeo A permanece na Terra, enquanto o gêmeo B viaja para uma estrela distante e volta. Explique, através de diagramas de Minkowski os seguintes questionamentos.

I) Durante sua viagem, B bate palmas de tal forma que o intervalo T entre as palmas é constante no referencial de A. Qual o intervalo entre as palmas no referencial B?

II) Agora, quem bate palmas é A. O intervalo entre palmas T é constante no referencial de B. Qual o intervalo entre palmas no referencial A?

Redshift

Duas pessoas começam a acelerar uma em direção à outra com mesma aceleração própria a. No instante que eles começam acelerar, quanto dura um "tique" de relógio de cada um, no referencial do outro?

Quebra?

Duas espaçonaves estão em repouso no espaço. Uma corda as conecta (ela não pode alongar indefinidamente). A partir de um certo instante, as duas espaçonaves começam a acelerar com mesma aceleração própria ao longo da linha que as conectam (no mesmo sentido). A corda cederá, eventualmente?

Para treinar mais a realização de diagramas, é sugerido que o leitor tente resolver problemas genéricos de relatividade restrita através desse método. Algumas vezes, esse pode não ser o método mais eficiente.