Escrita por Vinicius Névoa
1) Desligando a mangueira
Uma situação bem conhecida da hidrodinâmica clássica é quando temos um escoamento estacionário de um líquido de densidade e viscosidade em um cano reto de seção circular de raio e comprimento . Suponha que esse estado estacionário é mantido por uma queda de pressão para todos os tempos , havendo assim um escoamento de Poiseuille.
a) Prove que para , .
Iguale a força por causa da queda de pressão com a força devido a viscosidade em uma casca cilíndirca de raio
Em , a queda de pressão é desligada de forma instantânea: , de modo que o escoamento começa a parar. Especialmente, o escoamento se torna não estacionário: .
b) Prove que, por causa da simetria cilíndrica,
c) Suponha que o escoamento após o desligamento da queda de pressão pode ser descrito pela seguinte série infinita:
.
Ache as equações satisfeitas por cada uma das funções separáveis e .
Escreva a equação de Euler (não se esqueça do termo ) e a equação da continuidade em coordenada cilíndricas. Use também o resultado do item anterior para simplificar a equação de Euler.
d) Considerando que a solução da seguinte equação é dada pela função de Bessel de ordem zero:
Calcule o tempo característico para o escoamento parar se a menor raíz de vale
Para essa estimativa, considere apenas o primeiro termo de decaimento da série que fornece a velocidade.
2) Cilindro Oscilante
Um cilindro longo de comprimento e raio oscila verticalmente em um tanque de um fluido de densidade e viscosidade , devido as forças peso, empuxo e viscosas que agem sobre ele. A aceleração gravitacional vale e a massa do cilindro é .
a) Ache o período de pequenas oscilações desconsiderando a viscosidade e a energia cinética do fluido.
A força de empuxo é proporcional ao comprimento do cilindro submerso, uma vez que sua área de seção transversal é constante.
Agora, vamos considerar os efeitos viscosos. Considere que o gradiente de pressão vale em todo ponto, e o campo de velocidade do fluido é (que é sempre vertical a não ser abaixo do cilindro, onde não nos interessa)
b) Escreva a equação de movimento de uma massa de fluido a uma distância do centro do cilindro, em função de e suas derivadas.
É justo supor que o peso dessa massa é balanceado pelo empuxo sobre ela. Logo, toda a aceleração que ela possuir se deve a diferença de forças viscosas à sua esquerda e a sua direita. Essa diferença é uma constante vezes a segunda derivada da velocidade em relação a distância ao eixo do cilindro.
c) Escreva a forca viscosa agindo no cilindro, e resolva sua equação de movimento.
Resolva a equação acima (suponha uma função da forma e ache a relação de dispersão), e então basta computar a derivada da velocidade em .
d) Ache a amplitude das oscilações naturais em função do tempo.
Basta resolver a equação do oscilador amortecido para o cilindro.
3) Bombas de capilaridade
Um canal horizontal bastante fino (da ordem de milímetros) se conecta a um reservatório de água e extrai líquido desse reservatório por capilaridade. A tensão superficial entre o líquido e o material do canal é e o ângulo de contato vale . Considerando uma viscosidade , e que o escoamento se dá em um regime quasi-estacionário, ache o fluxo de massa extraído em função do tempo . Despreze a pressão hidrostática da coluna de água e considere o canal aberto na outra extremidade.
Considere um escoamento de Poiseiuille em que a queda de pressão é a pressão de Laplace por causa do menisco que se forma. Cuidado! O ângulo de contato é relevante. Lembre-se que o menisco tem massa nula, então para achar a pressão faça a força horizontal sobre ele ser zero.
4) Ar aprisionado
Uma represa de volume e altura tem em sua base um tubo fechado e horizontal de raio e comprimento , , em que está aprisionado um volume de ar a uma temperatura . Em um certo instante, uma comporta é aberta e a água do reservatório entra nesse compartimento, comprimento o ar de forma adiabática até uma posição de equilíbrio. Despreze efeitos viscosos ou de tensão superficial. A gravidade local vale .
a) Qual é o período de pequenas oscilações ao redor dessa posição de equilíbrio? Despreze a massa do ar quando comparada a da água.
Considere as forças agindo sobre a massa de água dentro do tudo. De um lado, a pressão hidrostática devido a coluna de água; de outro, a pressão do ar comprimido adiabáticamente. Use a conservação do volume de agua para saber a altura da agua na repressa.
b) Esse ar passa a ser aquecido com um potência constante , e não troca calor com a água. Qual a velocidade de subida da superfície livre da água em função do tempo? Deixe sua resposta em função do índice adiabático e outras constantes.
Se você desprezar o aumento do nível de água, já que o tubo é pequeno, a pressão sobre o gás é constante. Logo o aumento da temperatura dele é governado por . Equacioanando temperatura e volume na equação de Clapeyron, fica fácil achar a taxa de expansão do gás.
5) Estabilidade de um escoamento de Taylor-Couette
Um escoamento é dito estável se uma pequena perturbação de um elemento de fluido gera forças que o fazem retornar a sua posição original. Seja o escoamento laminar estacionário entre dois cilindros coaxiais infinitos, de raios e e velocidades angulares e , não necessariamente no mesmo sentido.
a) Prove que a velocidade do fluido entre os cilindros é da forma e ache as constantes e . Use que o torque da força viscosa em relação ao centro é constante para todo .
As constantes e surgem naturalmente como constantes de integração. Note que quando você escreve o torque sobre uma casca cilíndrica de raio e espessura , surge uma derivada segunda de ; por isso duas constantes.
É evidente que uma perturbação na direção azimutal é estável, então vamos analisar perturbações radiais apenas.
b) Lembrando que o escoamento é incompressível, escreva a condição para que mover um elemento de fluido de para radialmente seja estável.
Basta que a força de pressão vivenciada por um elemnto de fluido na posição seja maior do que a força centrípeta necessária para manter uma fluido com velocidade em . Em outras palavras, basta que
c) Qual a relação entre , , e para que se satisfaça a relação acima?
6) Oscilando sob um filme de água
a) Ache a força viscosa por unidade de área agindo em um plano infinito que oscila linearmente com amplitude e frequência angular em seu próprio plano, se sobre ele há uma camada de água de espessura e viscosidade .
Como a superfície livre de um líquido tem massa nula, não pode haver nenhum stress viscoso nela; ou seja em .
b) Ache o torque viscoso agindo em um disco de raio muito grande que executa oscilações angulares dentro de um líquido infinito.
Para achar a velocidade angular do fluido, você terá que resolver uma equação da forma . É válido assumir que a velocita do fluido é da forma no caso de muito grande.
7) Instabilidade de Kelvin-Helmholtz
A instabilidade de Kelvin-Helmholtz ocorre quando uma onda se propaga na interface de dois meios de densidades distintas, e o meio mais denso está acima. Existem inúmeros exemplos disso na natureza, desde a formação de nuvens no céu ao comportamento de átomos em fissão. Essa imagem retrata um padrão de nuvens chamado fluctus, causado pela IKH.
Considere dois meio invíscidos, de densidades e , e que as perturbações podem ser descritas pelos potenciais de velocidade:
Caso as amplitudes da perturbação comecem pequenas, podemos desprezar a velocidade do fluido tangente ao plano de separação dos meios. Também desprezaremos quaisquer tensões superficiais. A gravidade local vale .
a) Escreva as condições sobre a velocidade do fluido e a pressão na interface.
A pressão e a velocidade normal à interface são iguais em abos os fluidos. Para a velocidade tangencial, basta que sua derivada seja nula na interface (condição de stress nulo)..
b) Use a segunda lei de Newton (ou a equação de Euler sem o termo convectivo) para relacionar a pressão com o potencial de velocidades em um dado fluido.
Resposta:
c) Substituindo as condições acima na equação de Laplace, ache relação entre e para a perturbação (essa é a relação de dispersão). Qual a condição para que a perturbação seja instável?
8) A formação de uma onda que quebra
Uma onda é formada em alto mar com uma certa amplitude e um comprimento de onda . Em alto mar, a profundidade da água é essencialmente infinita, mas, ao se aproximar da costa, o assoalho oceânico vai ficando cada vez mais raso. Considere que a profundidade do mar em função da distância a costa é dada por , até um certo a partir do qual ela se torna constante. A gravidade vale e a densidade da água vale .
a) Use o formalismo do potencial de velocidades para achar o potencial de velocidades dessa onda. Calcule a energia mecânica média contida em um comprimento de onda em mar aberto.
Use que a pressão agindo na superfície é constante (é a pressão atmosférica, claro, mas você pode supor que é zero que as contas serão mais fáceis). Será util usar que em .
b) Se o terreno for suficientemente suave, o trajeto da onda é adiabático. Ache uma expressão para a energia mecânica média da onda a uma distância da costa. Atenção: a água não é mais tão profunda, e isso modifica a relação de dispersão por meio das condições de contorno. Como o é constante, o comprimento de onda não é mais o mesmo.
Use que a energia da onda se conserva.
c) Ache a amplitude da onda em função de , , e constantes.
Um modelo matemático capaz de abarcar ondas que quebram deve ser fortemente não linear, e portanto o melhor que podemos fazer aqui é estimar.
d) Determine a velocidade de fase da onda em função de .
e) Estime uma relação entre e e outras constantes do problema para que a onda quebre.
9) Deflagração de chamas - Combustão lenta
Um assunto bastante interessante é a hidrodinâmica da propagação de uma combustão de uma gás inflamável. Quando a combustão não é de natureza explosiva, a chama se propaga quando, por condução térmica, o calor gerado pelo fogo incendeia o combustível ainda não queimado de suas vizinhanças. Quando o mecanismo de ignição é a condução de calor, é sempre o caso em que a frente da chama se propaga em velocidades muito pequenas quando comparada à velocidade do som. Contudo, lembre-se que o gás queimado e o gás não queimado são quimicamente distintos: é isso que diferencia o estudo de deflagrações e detonações de outros escoamentos hidrodinâmicos. Seja os índices adiabáticos e , os calores molares a pressão constante e e o calor molar liberado pela combustão . Seja a descontinuidade entre o gás em ignição e o gás ainda não queimado o plano em que . Trabalhe no referencial dessa descontinuidade, que se move com velocidade em direção ao gás não queimado. Particularmente, essa velocidade é desprezível em relação a velocidade do som.
a) Prove que a conservação do fluxo de energia diz que:
Em que é a entalpia por unidade de massa de cada lado da interface e as velocidades são as velocidades relativas entre o gás e a frente de deflagração.
Essa é basicamente a expressão para a conservação de energia mecânica, análoga a dedução da equação de Bernoulli. Você vai ter que usar que a densidade não sofre descontinuidades, e portanto haverá uma cancelamento devido a conservação do fluxo de massa.
b) Escreva as três leis de conservação hidrodinâmica: fluxo de massa, fluxo de momento e fluxo de energia.
Lembre-se que um fluxo é, tipicamente, uma densidade multiplicada por uma velocidade. Por exemplo, o fluxo de energia cinética seria
c) Ache a temperatura do gás em ignição se o gás não queimado está (aproximadamente) em repouso no referencial do laboratório.
Use os itens a e b e escreva a entalpia em função do calor molar a pressão constante e da temperatura
10) A hidrodinâmica das detonações e de processos explosivos
Ondas de detonação são aquelas que acompanham processos explosivos, e, embora muito similares a ondas de choque convencionais, possuem diferenças fundamentais em relação a essas. A razão para isso é que o gás antes e depois da onda de detonação é quimicamente distinto. Em termos mais físicos, a função de entalpia é diferente. Nessa questão, vamos elaborar um pouco sobre as características de ondas de detonação. A diferença fundamental entre uma detonação e uma deflagração é que, na detonação, a onda de choque que é responsável pela ignição do gás. Cuidado: ao longo dessa questão falaremos de adiábatas de choque e de detonação, mas, a despeito do nome igual, elas não tem muito a ver com as adiábatas convencionais que você conhece.
Ao longo dessa questão, o índice 1 se refere ao gás ainda não detonado e o índice 2 ao gás já detonado. Trataremos das velocidades do gás no referencial da onda de detonação. Suponha conhecidos os índices adiabáticos e calores específicos do gás antes e depois da combustão . O calor liberado na combustão por unidade de massa é quando (isso pode soar estranho de início, mas é porque a função de entalpia depende da temperatura, e a energia química é a entalpia no zero absoluto; essa constante será importante a despeito de sua definição "estranha").
O Pico de Neumann
Uma detonação é sempre precedida por uma onda de choque convencional, que é responsável por comprimir e aquecer o gás, dando início à ignição. Após um curto período de tempo, a reação química de combustão se desenrola e o gás relaxa para seu estado final detonado. Esse pico de pressão imediatamente após a onda de choque e imediatamente antes da combustão se chama pico de Neumann.
a) Use as equações de conservação de fluxo de massa e de momento para provar a relação da reta de Rayleigh:
Em que é o fluxo de gás em direção a onda de detonação (gás detonado por área por tempo), é a pressão do gás e é seu volume específico (o recíproco da densidade).
Note que
Para um dado fluxo , a pressão do pico de Neumann é, portanto, a intersecção da reta de Rayleigh com a adiábata de choque (curva tracejada na figura abaixo):
b) Ache a equação da adiábata de choque que passa pelo ponto
Substitua em e use que a entalpia por unidade de volume é , com como usual. Use também a equação de estado de um gás ideal.
c) Ache o valor da pressão do pico de Neumann em função do fluxo .
Avalie a intersecção da reta de Rayleigh com a adiábata acima
Para um gás ser capaz de explodir, é necessário que o pico de Neumann no ponto de Chapman-Joguet seja suficiente para superar a energia de ativação da reação de combustão. Estudaremos sobre esse ponto a seguir.
A reação química e o ponto de Chapman-Joguet
Se a pressão (e correspondente temperatura) do pico de Neumann for grande o suficiente, o gás entra em ignição por meio de uma reação exotérmica. Então, o gás libera calor, aumentando sua entropia, e seu estado termodinâmico migra ao longo da reta de Rayleigh até cruzar a adiábata de detonação (curva contínua na imagem) pela primeira vez (a segunda intersecção no ponto b não é mecanicamente acessível).
d) Ache a equação da adiábata de detonação. Explique o porquê ela não passa pelo ponto .
Dedução análoga ao item b, mas com calores específicos e índices adiabáticos diferentes dos dois lados da descontinuidade, devido a reação química que ocorre.
e) Ache o valor do menor fluxo possível para que a detonação se sustente dado um estado inicial do gás. Prove que, nesse ponto, a velocidade do gás detonado é igual a velocidade do som.
Esse valor corresponde ao tal que a solução para a intersecção da reta de Rayleigh com a adiábata de detonação só tem uma solução.
f) O encontro da reta de Rayleigh com essa curva (por exemplo, no ponto na figura) é o estado final de detonação. Prove que a temperatura do gás detonado no ponto da figura vale:
Você deve ser percebido que os estados finais de detonação acessíveis são aqueles acima do ponto da figura. Esse ponto se chama ponto de Chapman-Joguet e é extremamente importante para a teoria ds detonações. Como dica, lembre que a velocidade do som no gás 1 é a tangente a curva tracejada no ponto inicial .
g) Mostre que para todo estado final de detonação acima do ponto de Joguet, . Mostre também que a velocidade da onda de detonação em relação ao gás 1 é sempre supersônica: .
A velocidade do som se relaciona intimamente com a tangente à adiabáta de choque em um dado ponto. Lembre-se de que, ao longo dessas curvas, a entropia é constante e nesse caso. Por outro lado, a velocidade do gás é diretamente relacionada com a inclinação da reta de Rayleigh. Sem fazer a conta, já é de se esperar que essas velocidades sejam iguais no ponto de tangência O.
Como o escoamento atrás da detonação é sempre subsônico (ou exatamente sônico no ponto ), a energia química liberada consegue alcançar a frente de detonação para continuar a impulsionando. Na prática, por um questão de condições de contorno, uma detonação real sempre corresponde ao ponto de Chapman-Joguet. Heuristicamente, podemos interpretar isso como toda a energia do gás sendo gasta para manter a onda de detonação (pense bem e se convença de que é isso que ocorre nesse ponto).
h) Mostre que no caso de uma detonação forte vale que:
Combustões com fase endotérmica
Uma reação de combustão é sempre exotérmica. Contudo, ainda é possível que ao longo do caminho reacional sejam formados produtos intermediários que reagem de forma endotérmica, tudo isso com a reação global se mantendo exotérmica, como deve ser. Esse fenômeno altera significativamente a dinâmica da detonação, e é a última parte dessa questão.
i) Suponha que em coordenadas o gás em combustão começa a absorver calor até chegar ao fim da reação. Faça um gráfico no plano como o da figura acima em que constem: a adiábata de choque, a adiábata de detonação, a reta de Rayleigh e uma adiábata convencional que passa pelo ponto .
j) Responda ao que se pede através de uma análise gráfica:
- O fluxo mínimo é maior ou menor do que em uma detonação convencional?
- Identifique no gráfico o novo ponto de Chapman-Joguet.
- Mostre (graficamente) que nesse novo ponto de Joguet o escoamento atrás da detonação é supersônico, ao contrário da detonação convencional.
Se há uma parte da reação em que e outra em que , por continuidade deve haver um ponto na evolução do gás que cruza uma adiábata () em algum ponto . Essa adiábata sempre está acima da curva de detonação,e portanto a presença de fase endotérmica aumenta o fluxo mínimo para a detonação acontecer, bem com cria uma novo ponto de Chapman-Joguet, dessa vez com uma tangente (velocidade do som) maior, já que está acima do ponto de Joguet convencional.
Boa Sorte!