Filosofia para olimpíadas

A filosofia, juntamente com a matemática, é o saber formal mais antigo de que se tem registro, dado que mesmo há mais de 2500 anos já se exercia alguma forma de reflexão fundada em discurso racional. Não obstante, tal longevidade é completamente ratificada quando se toma consciência da avassaladora quantidade de autores, fases e ramos que se estabeleceram ao longo desses séculos; são centenas de autores densos e complexos, que guardam em suas obras verdadeiros universos de conhecimento. Sabendo disso, existiria alguma forma mais branda de aprender filosofia?

Discutir o aprendizado da filosofia é uma tarefa bastante árdua, pois este é um objeto da própria filosofia. Esta meta-abordagem faz com que não exista um consenso geral sobre como se deve ensinar, e consequentemente, aprender filosofia. Contudo, pode-se dizer que existe um método mais recorrente e que, embora não seja perfeito, costuma ter bons resultados.

A primeira fase deste método constitui-se de uma viagem por toda a história da filosofia, passando por todos os grandes pensadores e por todas as grandes escolas de pensamento, com o intuito de adquirir noção de todas as hipóteses que já foram levantadas pela humanidade. Isso há de funcionar como uma alfabetização filosófica, de tal maneira que sem esse conhecimento qualquer discussão mais aprofundada se tornaria quase impossível. Quando se diz tomar conhecimento de todos os pensadores, esse “todos” deve ser entendido na parcialidade que a realidade o impõe, dado que, tomado literalmente, essa tarefa se faria inexequível. Cabe ao estudante o trabalho heurístico de saber o que deve ser de fato estudado e o que pode ser relevado. Por último, quero salientar que essa fase não se compõe de um estudo completo sobre todos esses pensadores, pelo contrário, é recomendável que estes sejam vistos em suas superficialidades e ideias mais fundamentais.

       Quanto à segunda fase, agora sim é o momento para aprofundar, pois é aqui onde você irá selecionar os seus autores e correntes favoritos. Depois de um longo período conhecendo o pensamento de um monte de gente, pessoas que você vai discordar inclusive, será o momento em que você terá de formular o seu próprio pensamento. Esta é a parte verdadeiramente difícil da filosofia, pois durante toda a sua formação você a terá estudado de um ponto de vista passivo e agora terá de exercitar toda sua criticidade para julgar o que você acredita ser correto. Não que suas leituras na primeira fase devam ser cegas, nelas você já deve estar a exercitar seu poder de criticidade, mas isto deve atingir outro nível na segunda fase. Enquanto na primeira fase, você deve identificar os pontos que você discorda em uma teoria e os pontos que você concorda, sabendo como defende-los ou ataca-los; na segunda, torna-se vital que você saiba também como aperfeiçoar as ideias que você discorda e fazer desta uma teoria mais sustentável.

Depois dessa discussão sobre a forma, é justo que tratemos do conteúdo de fato, portanto, vamos analisar quais são os elementos chaves da alfabetização e como se aprofundar propriamente num assunto.

FASE 1 DO CONHECIMENTO FILOSÓFICO

A primeira coisa que você precisa se acostumar é a ideia de sistematização, isto é, para abordar todas as facetas do pensamento humano ao longo destes anos, você pode recorrer a diferentes metodologias: pode buscar as principais correntes, principais pensadores, grandes paradigmas da filosofia e diversas outras. Aqui, iremos nos dedicar a uma leitura cronológica, pois é a mais convencional e a que mais considera a temporalidade de seus pensadores; também é a que melhor explica as relações de influências entre os pensadores.

Normalmente, se divide a história da filosofia em quatro períodos: Clássico, Medieval, Moderno e Contemporâneo. Contudo, essa divisão se dirige bem mais a tradição ocidental do que a tradição oriental, que destoa bastante da nossa noção de filosofia. Sabendo disso, as duas tradições serão apresentadas separadamente. Além disso, essa classificação acaba por deixar de fora muito do que veio antes dos primeiros grandes filósofos, então adotaremos, em vez de período clássico, o termo período antigo.

-Filosofia Oriental:

Vamos começar pela Filosofia Oriental, pois esta é uma corrente do pensamento que compartilha bem mais características com a religiosidade do que com a racionalidade, ao menos pelo que se entende por este termo no Ocidente. De fato a tradição oriental surge em um contexto radicalmente distinto daquele presenciado pelo surgimento da tradição ocidental; é como se a história se sua filosofia se confundisse com a história do pensamento mítico. Esta religiosidade faz dessas ideias menos importantes? De forma alguma! É praticamente um consenso entre os pensadores da contemporaneidade que a ideia de superioridade do pensamento ocidental sobre o oriental é preconceituoso e etnocêntrico, pois é um julgamento feito conforme parâmetros europeus.

Para iniciar o estudo da Filosofia Oriental, você deve entender a história do Oriente, que é uma história extremamente vasta e rica, contudo não recomendo que você se prenda inicialmente a esse objeto. Posteriormente, se for de seu apreço, pode se aprofundar em cima desses temas.

A Filosofia Oriental vai surgir no leste e no sul da Ásia, onde irá se manifestar, principalmente, pela filosofia chinesa; filosofia japonesa; filosofia coreana e filosofia indiana. Em ocorrência dos milhares de anos do pensamento oriental, não poderei citar todos os pensadores, mas em vez disso irei listar suas principais correntes:

  • Filosofia Indiana
    • Budismo
    • Hinduísmo
    • Jainismo
  • Filosofia Chinesa
    • I Ching
    • Confucionismo
    • Taoismo
    • Zen
  • Filosofia Japonesa
    • Xintoísmo
    • Partes da filosofia chinesa e indiana
  • Filosofia Coreana
    • Neoconfucionismo
    • Xamanismo
  • Filosofia do Oriente Médio
    • Islamismo
    • Judaísmo
    • Zoroastrismo

Dentre todos os conteúdos que aqui vou listar, esse definitivamente é o que mais carece de fontes de estudo, principalmente em língua portuguesa; a maior parte dos textos que tratam do tema são puramente místicos, o que pode prejudicar o seu entendimento do tema. Sugiro que pesquise os textos mais famosos de cada corrente e busque trechos que lidem de questões menos especulativas como: ética, epistemologia, política e etc. Dado que é nesses trechos que as reflexões mediadas pelos autores mais se aproximam da nossa noção de filosofia.

Acima de tudo, é importante que você consiga entender a importância do pensamento oriental e como ele complementa a tradição ocidental, pois a própria ideia de que a filosofia pode surgir de meios tão opostos ajuda-nos a entender a natureza arbitrária do conhecimento humano.

- Filosofia Antiga:

Esse é provavelmente o período mais importante que você terá de estudar, pois estão presentes nas ideias desses autores os princípios que formarão toda a tradição ocidental de que hoje somos herança. De qualquer forma, antes de introduzir-se no estudo dos grandes pensadores desse tempo, é fundamental que você estude o contexto em que eles surgiram e para isso existem livros excelentes.

Começando pela mais simplória e breve explicação, temos o primeiro capítulo do livro “Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein”, em poucas palavras, Danilo Marcondes pincela o contexto histórico em que se insere o surgimento da filosofia e apresenta os conceitos básicos que serão discutidos durante o período clássico. Para aqueles que buscam um aprofundamento de caráter mais histórico, indico o “História da Filosofia Ocidental – Livro primeiro”, escrito por Bertrand Russel, um dos pensadores mais importantes do século XX, indiscutivelmente mais denso e menos introdutório, porém muito completo e bem escrito. Por último, sugiro o capítulo 2 do “Convite a Filosofia”, dentre os três, esse é o livro que mais têm a preocupação de ser atrativo aos primeiros leitores e pode-se dizer que a beleza poética presente nele supera em muito a dos outros; se você ainda não se sente confortável lendo textos de filosofia, esta é de longe a melhor sugestão.

Depois de ter uma noção de como essa forma de pensamento se estabeleceu, você deve conhecer os principais pensadores do início da filosofia, os assim chamados pré-socráticos. Novamente volto a recomendar tanto o livro do Marcondes como o do Russell, pois ambos são muito bons para o estudo da filosofia em geral; é com esses pensadores que as maiores questões da filosofia irão surgir, portanto preste bastante atenção nos problemas por eles levantados. Muitos dos questionamentos de Parmênides serão retomados por Aristóteles e serão utilizados por Platão na formulação de suas ideias. Indiscutivelmente, dois pensadores que devem ser analisados com muita calma são Heráclito e Parmênides, não que os outros não o devam ser, mas é que o estudo de ambos, principalmente como antítese um do outro, serve para entender o primeiro grande conflito da filosofia: entre monistas e mobilistas. Reconhecer este embate e saber se posicionar acerca dele, mesmo que sem aderir necessariamente a um dos lados, é um exercício prolífico e vai te prover uma base para entender a dialética platônica futuramente. Outro pré-socrático importante para entender o pensamento platônico é Pitágoras e sua relação com a matemática e com os saberes abstratos.

Depois dos pré-socráticos, surge com a democracia ateniense uma preocupação com o discurso, que culmina na retórica. A retórica é um dos estudos mais vastos e complexos da filosofia, também é um dos mais antigos, àqueles que têm predileções pelo campo da política ou do debate, sugiro que se atentem bastante às grandes figuras desse momento. De um lado temos a ascensão do Sofismo, que representa a grande falha da democracia, e do outro temos o Messias da Filosofia Ocidental. O estudo de Sócrates é o único para o qual irei sugerir uma fonte “primária”, isto é, o livro “Apologia de Sócrates”, escrito por Platão, mas apenas narrando as palavras de seu mestre. É um livro curto, com uma linguagem não tão rebuscada e que exprime sumariamente os grandes elementos que orbitam a imagem de Sócrates. Sua crítica ao Sofismo, seu julgamento mortal e sua postura ética inexorável. Um exercício que deve ser constantemente feito é a crítica a esses grandes pensadores do passado, pois no estudo da filosofia não há espaço para idealizações.

Este é o momento em que você deve se deparar com os pensamentos mais complicados até então: Platão e Aristóteles, especialmente o segundo. Para o estudo de Platão sugiro fortemente do capítulo XII ao capítulo XVIII do “História da Filosofia Ocidental”, em que você poderá encontrar as suas principais ideias, desde sua teoria epistemológica até seus posicionamentos políticos. Por serem textos curtos, também sugiro alguns diálogos do próprio, como Górgias, Protágoras, O banquete e A república. Lembrando que Platão é um dos autores mais estudados da filosofia, então existem inúmeros livros que tratam de suas ideias, portanto, caso você se interesse pelo seu estudo, busque esses textos.

Neste momento, você há de se deparar com um ponto decisivo em seus estudos, pois é aqui que você descobrirá se tem ou não a perseverança para buscar o conhecimento. Aristóteles, dezenas de obras colossais de complexidade ímpar; o primeiro sistema de conhecimento da história. O pai da lógica e das ciências naturais, que vai revolucionar a retórica, a política, a justiça, a metafísica e diversas outras áreas do saber filosófico. A forma de conhecer o mundo nunca será a mesma depois de Aristóteles, portanto, tenha consciência de dar a esse autor a importância que lhe é devida. Leia as partes referentes a Aristóteles tanto no Russel como no livro do Marcondes e então, depois de já ter uma ideia de que área da filosofia você se sente confortável lendo, busque um livro de Aristóteles sobre esse tema e tente lê-lo. Você provavelmente não entenderá nada em sua primeira leitura, mas isso é natural; é uma experiência necessária quebrar a cabeça em um texto difícil, porque você vai precisar fazer isso mais na frente.

Como última corrente do pensamento antigo temos o Helenismo. Primeiro de tudo, é preciso entender a história por trás da formação do pensamento helenista, para que então, possa-se discutir seus vários ramos. Uma característica essencial do Helenismo é o seu ecletismo, vamos encontrar nele uma retomada do pensamento de autores clássicos, por meio do Neopitagorismo, Neoplatonismo e o Aristotelismo. Teremos a criação da Academia platônica e da Escola Peripatética, que serão responsáveis por guardar o pensamento de seus mentores. Junto disso, teremos o surgimento das famosas correntes do Estoicismo, Epicurismo, Cinismo e Ceticismo; todas devem ser estudadas, mas sugiro uma atenção especial para com o ceticismo, pois a tradição cética há de voltar no período moderno.

Depois de passar por todos esses tópicos, você deve focar em aperfeiçoar seus conhecimentos históricos a respeito da passagem do mundo antigo para o mundo feudal do período medieval.

-Filosofia Medieval:

Logo de cara, o período medieval é bem diferente do período antigo e também é bem mais sucinto. Basicamente, sua grande preocupação vão ser dois autores: Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Um de cunho platônico e outro de caráter aristotélico. A parte dois do Marcondes não é excessivamente longa e constitui-se de uma análise bem histórica, ainda que não tão quanto o livro segundo do Russell, mas toca nos pontos mais importantes do período: a patrística, o argumento ontológico de Santo Anselmo, a retomada do pensamento aristotélico na Europa, a escolástica de São Tomás e a questão dos universais por Guilherme de Ockham. Contudo, encontraremos no Russell uma investigação muito mais elaborada e diversas coisas que não se fazem presentes no Marcondes.

Dois dos elementos fundamentais nesse período são a teologia e o pensamento cristão, para se aprofundar nesse tema pode-se ler o “A Filosofia na Idade Média” de Etienne Gilson, mas não o sugiro para leitores que ainda estejam na primeira fase. De qualquer forma, as pessoas têm seus próprios critérios, leia-o se achar necessário ou tiver vontade. Outra questão importante diz respeito ao tratamento do dogmatismo destes pensadores, pois, ainda que você seja ateu ou agnóstico, é fundamental que você procure entender o que os levou a chegarem naquelas conclusões, qual o raciocínio que seguiram e quais os erros que, supostamente, cometeram.

Por último, tente identificar as razões que levaram a crise da escolástica e a secularização do pensamento ocidental. Busque também identificar como a noção de Deus irá se modificar ao longo do período moderno.

-Filosofia Moderna:

Aqui encontraremos uma retomada com o pensamento clássico, mas enviesada pela busca de um método. Ou seja, tenha sempre em mente, ao ler sobre o período moderno, qual era o seu grande objetivo: fundamentar a ciência em bases racionais/empíricas. É nesse contexto que irá surgir uma nova noção de ciência e de justiça. Tudo começa com a passagem do período medieval para o moderno, que deve ser estudado em suas dimensões históricas. Logo depois disso, os grandes teóricos da modernidade começarão a buscar um método para fundamentar a ciência.

Teremos a revolução cientifica, renascimento, reforma protestante, todos esses acontecimentos culminarão em uma mudança radical de paradigmas. A ideia de homem como pecador será substituída por uma visão antropocêntrica, que remete ao período clássico. A ciência moderna substituirá a antiga ao mostrar-se mais funcional no mundo moderno. Posteriormente, a ideia de liberdade religiosa vai surgir devido aos embates entre o catolicismo e o protestantismo. A crença da humanidade em um cosmo organizado, com a terra no centro de tudo, será derrubada e uma nova visão de cosmo, que prima a infinidade deste, será estabelecida.

Devido à enorme quantidade de pensadores deste período não poderei comentá-los separadamente agora, então irei lista-los em seguida:

  • Nicolau Maquiavel (Ciência política)
  • Erasmo de Rotterdam (Protestantismo)
  • Thomas More (Utopia)
  • Martinho Lutero (Reforma Protestante)
  • Revolução Científica
    • Nicolau Copérnico
    • Galileu Galilei
    • Johannes Kepler
    • Isaac Newton
  • Francis Bacon
  • Thomas Hobbes
  • Racionalismo
    • René Descartes
    • Leibniz
    • Baruch Spinoza
    • Blaise Pascal
  • Liberalismo Filosófico
    • John Locke
    • Jean Jacques Rousseau
    • Voltaire
  • George Berkeley
  • David Hume
  • Immanuel Kant (Tradição crítica)
  • Utilitaristas
    • Jeremy Bentham
    • John Stuart Mill
  • Friedrich Hegel (Idealismo histórico)
  • Romantismo
    • Hölderlin
    • Novalis
    • Schiller
    • Schlegel
  • Arthur Schopenhauer
  • Søren Kierkegaard (Existencialismo)
  • Karl Marx (Socialismo e Materialismo Histórico)
  • Friedrich Nietzsche
  • Henri Bergson

Obviamente, esta lista não apresenta todos os pensadores do período moderno, mas apresenta muitos dos mais importantes, então seria interessante conhece-los, ainda que superficialmente, pois a partir desse conhecimento simplório você poderá selecionar aquelas ideias que realmente lhe parecerem chamativas. Novamente repito que há livros excelentes sobre todos esses autores, assim como suas próprias obras, mas todos estão presentes nos livros que estou usando como base.

-Filosofia Contemporânea:

Falar sobre filosofia contemporânea é uma tarefa difícil e imprevisível, pois existem inúmeras correntes que circulam o meio acadêmico e que não podemos julgar de uma perspectiva externa. Em suma, podemos dividir os pensadores do período contemporâneo entre aqueles que mantêm a tradição da crítica, surgida em Kant, e aqueles que rompem com a tradição moderna. Algumas das principais correntes são:

  • Fenomenologia
  • Existencialismo
  • Positivismo Lógico
  • Escola de Frankfurt
  • Ontologia Heidggeriana
  • Filosofia da linguagem
  • Wittgestein
  • Estruturalismo
  • Semiótica
  • Hermenêutica
  • Sociologia da pós-modernidade

Embora tenha colocado essa seção na fase 1, não acho que essas teorias são passíveis de estudo superficial, pois elas carregam um repertório e temporalidade que torna quase impossível a compreensão de suas ideias sem uma leitura direta de seus autores. Portanto, pode-se considerar essa seção como um tipo de ponte entre a fase 1 e a fase 2, porque aqui é o momento em que a história ainda não está escrita e cabe a você julgá-la como uma pessoa de seu tempo.

FASE 2 DO CONHECIMENTO FILOSÓFICO

Para a fase 2, você deve selecionar apenas as teorias que te interessam pessoalmente, isto é, não ache que você deve fazer isso para tudo que já estudou. Neste momento, ao reconhecer seus gostos, você já saberá como se posicionar acerca de alguns questionamentos, por exemplo, depois de ter estudado todo o período moderno, você saberá dizer com qual teoria epistemológica você concorda mais, o racionalismo ou empirismo. Não obstante, você não irá apenas escolher um lado, mas saberá articular estas teses a fim de obter seu próprio posicionamento no tema.

E quanto ao estudo? Este é um momento de foco, você deverá buscar livros de especialistas que tratem integralmente do tópico ou autor que está estudando. Caso seu interesse seja Nietzsche, você deve buscar textos da Scarlett Marton, ou de outro especialista no autor. Além disso, também é o momento para lidar com fontes primárias, isto é, buscar textos do próprio autor; isso não é uma coisa fácil, pois muitas vezes as ideias dos autores estão escondidas por trás de uma temporalidade distinta, de uma estética diferente daquela com a qual você está acostumado, ou são simplesmente ideias com a qual você não tem familiaridade.

Depois de se habituar a ler os textos dos autores que te interessam, você pode passar para outro estágio, que é a leitura do texto em sua língua nativa ou o mais perto disso possível. Pode parecer que não, mas muito da mensagem original do autor se perde na tradução, seja pela óptica subjetiva do tradutor ou pela própria entropia linguística. Isso não significa que você deva aprender grego para ler Aristóteles, mas que você deve tomar cuidado para sempre buscar boas traduções. Pesquise quem são os tradutores e veja se eles já traduziram outros livros; escolham sempre livros com notas de rodapé dos tradutores, aqueles recados são muitas vezes importantes, pois transcrevem uma natureza distinta da língua. Além disso, sempre busquem por textos bilíngues, ainda que vocês não saibam a outra língua.

Durante a leitura, procure por erros no raciocínio dos autores, caso não ache nenhum, procure por interpretações e questione-se se aquelas são as únicas possíveis e imagine como seria se elas fossem diferentes. Desta maneira, você tomará conhecimento das ideologias por trás de cada pensador; o termo “ideologia” está sendo usado meramente como o resultados da formação inconsciente de suas ideias.

E QUANTO A PROVA?

Bem, para fazer a IPO não basta apenas saber filosofia. Além do mais, você pode saber as ideias de todas as pessoas que já viveram, se você não souber como articular essas ideias e elaborar uma tese própria, nada disso vai adiantar. Tenha em mente que, ao escrever um ensaio, você deverá sobretudo apresentar uma tese, a ideia principal que irá defender, e buscar argumentos que a apoiem; neste trabalho de formular uma tese, é fundamental que você saiba usar as palavras para se expressar: seja claro, simples e busque trazer exemplos. Não ache que escrever um texto deliberadamente difícil vai fazer dele melhor, o fato é que seu maior objetivo é ser compreendido; esse esforço vem de você e não do corretor. A quantidade de tempo que os membros do júri terão para ler sua redação é muito pouca, então mire na objetividade.

Não obstante, a habilidade de uma boa escrita vem com o tempo, porém é vital que você a exercite: crie o hábito de escrita, isso não implica que precisem ser ensaios necessariamente. Você pode escrever contos ou poemas se preferir, o importante à priori é que você aprenda a emitir uma mensagem. Contudo, a experiência de dissertar e se posicionar acerca de um tópico também precisa ser trabalhada, principalmente levando em consideração o pouco tempo que você terá na realização da sua redação.

LEIA OS ENSAIOS PASSADOS

Busque analisar o que fez dos ensaios vencedores vencedores, isto é, veja como estruturam suas ideias, quais foram suas teses, que autores usaram para defende-la e que método utilizaram para estudar o tópico escolhido. Os ensaios premiados podem ser baixados nos sites da IPO, tanto o permanente como os que são criados todos os anos; não se limite aos ensaios que receberam ouro, pois pode ser mais produtivo entender os erros das redações que tiveram um desempenho pior do que os acertos daquelas que foram consideradas “perfeitas”.

Procure tópicos que já caíram e que lhe interessem e então elabore ensaios em cima deles — se possível tente escrevê-los dentro das 4 horas —, depois disso compare-os com outras redações feitas a partir do mesmo tópico e que tiveram bons resultados. Lembre-se de ser original e coerente em sua análise, não adianta de nada apresentar uma ideia que ninguém pensou antes, mas que não faça o menor sentido, assim como não é interessante percorrer um caminho muito óbvio.

ESTUDE A LÍNGUA

Lembre-se que o ensaio não será escrito em sua língua nativa e que isso pode te trazer complicações. Principalmente, quando nos referimos a termos técnicos, que usualmente destoam de traduções literais. Busque conhecer os termos ou expressões que irá usar na língua em que está escrevendo, mormente quando esta é a língua de origem do termo. Ou seja, caso esteja escrevendo em alemão sobre Leibniz, atente-se em conhecer os nomes dos conceitos em alemão.

Um bom meio para que isto se realize é a leitura dos autores na língua em que você está escrevendo, mesmo que esta não seja a língua nativa do autor. Isto também servirá para que você se familiarize com a escrita argumentativa nesta língua e assim saiba como se expressar propriamente. Embora não seja a parte mais importante, o idioma é um elemento chave para o seu desempenho, portanto, busque aperfeiçoá-lo.

Caso a sua língua escolhida seja inglês, sugiro o livro “English Grammar in Steps” para o estudo da gramática da língua, o livro conta com os principais conteúdos que você vai precisar dominar para elaborar um texto e uma série de exercícios que vão facilitar o seu aprendizado. Para conhecer os conceitos em inglês sugiro, além da leitura dos autores em língua inglesa, o site da Enciclopédia de Filosofia de Stanford, onde você vai encontrar uma quantidade absurda de termos acompanhados por seus significados e por suas histórias.

RECONHEÇA A MULTIDISCIPLINARIDADE DA FILOSOFIA

Saiba que, em seus ensaios, você pode fazer uso de uma vasta gama de informações que tangenciam a filosofia, pois é um de suas características que ela apresenta uma natureza que pode ser abordada de formas múltiplas. No passado, era comum a associação entre a filosofia e a matemática, ou entre a filosofia e as ciências naturais, devido à preocupação desta com a physis e com o cosmo. No entanto, na atualidade, a filosofia está mais voltada a questões humanas, ou seja, sua associação mais provável é com a história e com a sociologia.

Caso você se interesse por filosofia, não deve fugir dessas matérias, ainda que elas não te pareçam atrativas, pois reside nelas um entendimento mais amplo e completo dos saberes filosóficos. No campo da história, nós temos autores como Michel de Certau, que irão discutir a própria noção de história e de historiografia, ou ainda de temporalidade. Para isso  farão uso de complexas abordagens teóricas que muito podem adicionar ao seu repertório, como maior sugestão temos o livro “ A Invenção do Cotidiano”, que faz um link com a próxima matéria que complementa a filosofia contemporânea, a sociologia.

Na sociologia, teremos o estudo próprio das relações sociais, ou seja, fenômenos fundados na ideia de indivíduo e sociedade. Para o seu estudo começamos com os autores clássicos: Durkheim, Weber e Marx, este agora estudado como sociólogo e não como filósofo. Além destes, sugiro a leitura de Pierre Bourdieu e Norbert Elias; para o primeiro sugiro a leitura do livro “O Poder Simbólico”, que é altamente avançado, então adquira um grande repertório teórico antes de lê-lo; já em relação ao segundo, temos “A Sociedade Dos Indivíduos” e “O Processo Civilizatório”, ambos definem os conceitos fundamentais do autor, assim como explicam o que ele acredita ser a relação de interdependência entre o indivíduo e a sociedade.

Muitos filósofos contemporâneos usaram constantemente destes saberes e de seus respectivos métodos, como Michel Foucault, que irá basear suas análises em uma metodologia fundada em historicidade e arqueologia dos saberes. Teremos também os pensadores da pós modernidade: Zygmunt Bauman e Byung Chul Han, por exemplo, que fundamentaram suas abordagens em métodos da sociologia. Visto isso, torna-se evidente a importância destas matérias para o estudo da filosofia na contemporaneidade.

Vale ressaltar que você ainda pode relacionar a filosofia com matérias mais exatas, como a matemática ou a física, mas isso se restringe usualmente apenas a alguns ramos, como a epistemologia, axiologia e a lógica. Com efeito, associações entre a filosofia e outras formas de conhecimento sempre podem ser feitas, mas deve-se tomar bastante cuidado com as implicações dessas relações.

APRENDA A REFLETIR SOBRE AS COISAS

E se eu lhe disser que uma reflexão sobre uma obra de arte pode ser mais prolífica que a leitura de um texto enfadonho? Na verdade, a reflexão sobre objetos menos ortodoxos não exclui a leitura de textos, mas a complementa. Muitas vezes, você pode usar uma obra de arte para compreender o sentido de Estética, ou ainda o sentido de temporalidade. Quando você analisa uma pintura futurista, pode ver nela o surgimento do pensamento fascista; um filme como Metrópolis pode ser usado para melhor compreender as teorias marxistas, assim como o livro nineteen-eighty-four pode ser entendido como uma crítica ao regime socialista, imposto na União Soviética. Observe como tudo isso é de alguma forma frutífero para suas reflexões: o ajuda a estabelecer definições, críticas e defesas.

Saber onde enxergar importância é um grande diferencial, pois enquanto os outros buscam argumentos no autor x ou y, você se demonstra capaz de suportar sua tese com as fontes mais simples. Mostrando o quão razoável e não apelativa ela é, facilitando em muito o entendimento de suas ideias.

Portanto, uma das atividades mais frequentes e habituais que se deve cultuar é a da reflexão filosófica sobre as coisas mais mundanas e convencionais, porque muitas vezes está nelas a compreensão das coisas mais complexas de nossa realidade.

Para saber mais sobre a Seletiva Nacional para a Olimpíada Internacional de Filosofia (IPO), clique aqui.

Confira também o Curso Noic de Filosofia, produzido por Cauan Marques e Etta Selim. 😀

- Guia escrito por Cauan Marques, colaborador da Equipe Noic de Filosofia e participante da XXVII IPO.