Segunda Fase 2020 - Dissertativas

Escrito por Daniel Colli

Questão 1 (Quantitativa 01) - "Tragédia dos Comuns"

Considere uma extensa zona de cultivo de café em que o custo para cultivar em um lote é de R$10.000,00, e o cultivo de cada unidade de café produzida em 1 lote pode ser vendido por R$500. Imagine que a produção total de café seja uma função da quantidade de lotes utilizados na zona de cultivo e que a renda da venda seja dividida igualmente entre todos os lotes estabelecidos. Por um lado, quanto mais lotes cultivados, mais café. Por outro, o uso incessante da terra gera queda de produtividade. Sendo x a quantidade de lotes em uso e g\left ( x \right )=4x^{2} - 120x a produção total de café como função deste lotes. Sabendo que o objetivo do dono de cada lote é maximizar seu lucro, responda:

a) Caso não haja restrição à entrada, ou seja, qualquer agricultor que desejar pode entrar na zona de cultivo pode se estabelecer em um lote, qual o número máximo de agricultores que vão entrar nessa zona de cultivo?

b) Caso a zona de cultivo tenha um único dono, qual a quantidade de lotes que será explorada por este agricultor?

c) Comente brevemente a diferença entre a solução dos itens a e b. Relacione com o fenômeno de que alguns animais como tucano e tigres sofrem risco de extinção muito maior do que porcos ou vacas.

Assunto abordado

Microeconomia - Bens Comuns e Públicos

[collapse]
Solução

a) Sem barreira de entrada, temos que o último agricultor a adquirir um lote terá lucro nulo. Portanto, \frac{500 \cdot g(x)}{x} = 10.000 ou seja, 4x-120 = 200 e, portanto, x^{*} = 35.

b) Neste caso, a maximização de lucro é tal que o produtor igualará receita marginal de cada lote com custo marginal de cada lote, ou seja 4.000x-60.000 = 10.000, o que faria com que fossem cultivados x^{**} = 17,5 lotes.

c) Quando a entrada é livre, os agricultores não levam em consideração na decisão de adquirir ou não um lote o efeito que a sua entrada terá sobre a queda de produtividade dos demais agricultores, o que leva a superexploração da terra.

Quando o dono é único, automaticamente esse efeito é considerado, e a terra é explorada de maneira ótima. Da mesma forma, animais silvestres são excessivamente explorados e ficam sujeitos a extinção porque são um recurso sem dono, que acaba sendo excessivamente explorado. Já, animais usados na alimentação, como vacas e porcos, podem ser comercializados e tem, portanto, um dono único.

[collapse]

Questão 2 (Quantitativa 02) - "Sustentação de um Cartel"

Chamamos de oligopólio uma estrutura de mercado em que existe um número baixo de empresas competindo. O mercado de Smartphones é um exemplo deste tipo de estrutura. Vamos estudar a dinâmica de duas empresas, A e B, que controlam boa parte do mercado ocidental de smartphones e interagem por infinitos períodos. As firmas têm duas opções, podem competir entre si com estratégias de marketing e de precificação ou podem cooperar entre si na formação de um cartel. Sob o cartel, as firmas podem combinar um preço único e dividir os lucros do mercado. Logo, cada uma das firmas tem duas estratégias: cooperar (C) ou não cooperar (NC) com o cartel. A matriz abaixo indica o lucro das firmas (a primeira entrada nos dá o lucro da firma A e a segunda entrada da firma B) em cada período para
cada uma das situações de cooperação.

Com base nas informações acima, responda:

a) Qual o valor presente dos lucros da empresa A caso haja cooperação entre as firmas em todos os períodos de tempo? Deixe sua resposta em função de r, a taxa de juros.

b) A manutenção do cartel não necessariamente é um equilíbrio nesse mercado. Explique brevemente.

c) Agora imagine que a firma B ameace a firma A dizendo que caso esta não coopere com o cartel será punida infinitamente com a não cooperação. Existe uma taxa de juros r que faz com que a empresa A coopere infinitamente com o cartel? Se sim, qual? Se não, por quê?

d) Alternativamente, imagine que a firma B ameace a firma A dizendo que caso esta não coopere com o cartel em um período será punida com a denúncia do cartel para as autoridades. Esta denúncia acarretará em lucro nulo para ambas as firmas para sempre. Existe uma taxa de juros r que faz com que a empresa A coopere infinitamente com o cartel? Se sim, qual? Se não, por quê?

e) Sugira uma ameaça alternativa - diferente das citadas no item anterior - que a empresa B que poderia fazer na tentativa de manter o cartel. Justifique sua resposta de forma sucinta.

Assunto abordado

Microeconomia - Estruturas de Mercados e Cartéis

[collapse]
Solução

a) VP_{C, C} = \frac{300}{1 - \delta}, em que \delta = \frac{1}{1+r}

b) Existe a tentação de desviar em todos os períodos e conseguir o lucro de 400, maior que o de cooperação.

c) Se a firma A não cooperar, terá um lucro de 400, seguido, a partir do próximo período, de uma punição que levará a um lucro de 150 por infinitos períodos. Logo, para manutenção do cartel, precisamos que \frac{300}{1 - \delta} \geq 400 + \frac{150 \delta}{1 - \delta}, ou seja, o menor valor de \delta é 0,4, o que equivale a r = 1,5.

d) Esta ameaça não é crível, pois a firma B estaria prejudicando o próprio fluxo de lucro e preferiria o equilíbrio de não-cooperação do que o lucro da punição. Assim, não há taxa de juros que sustente o cartel nesse cenário.

e) Uma outra possibilidade poderia ser um acordo em que uma empresa sempre imite o comportamento da outra no período anterior. Logo, se A desviar, B também desviará, mas não necessariamente para sempre.

[collapse]

Questão 3 (Quantitativa 03) - "Procrastinação e Design de Mecanismos"

O professor André, da Faculdade de Economia da Universidade de Carlínia (FEUC), segue tentando resolver o problema endêmico da procrastinação dos alunos. Para tanto, ele tenta modelar o motivo pelo qual eles demoram para começar seus trabalhos. Ele entende que os alunos associam uma dada utilidade à realização do trabalho, mas que essa utilidade não se mantém constante no tempo, pois caso contrário não haveria procrastinação. O modelo é:

u \left ( i \right ) = \frac{k}{p^{i}}

em que i é a quantidade de dias que faltam para acabar o prazo de entrega do trabalho (i \geq 0), k é uma constante que leva em conta fatores como o valor que a aluno dá a essa matéria e a sua autoestima (k > 0), e p é um fator de procrastinação (p > 1). Assim, é possível notar que os alunos sempre tendem a começar o trabalho de em cima da hora, pois u \left ( i \right ) é máximo quando i = 0.

a) O professor André está pensando em criar um sistema de bonificação nas notas para que as preferências dos alunos sejam perfeitamente consistentes no tempo. Como ele poderia fazer isso? Desenvolva sua resposta usando o modelo apresentado.

b) A teoria econômica frequentemente assume a racionalidade dos indivíduos, isto é, assume-se que os indivíduos agem de forma a maximizar a utilidade esperada de suas decisões, dadas as suas preferências. Você acredita que a procrastinação fere esse princípio? Fundamente sua resposta.

Assunto abordado

Microeconomia - Funções-utilidade e Consumo

[collapse]
Solução

a) Um sistema que o professor André poderia aplicar para que os alunos deixassem de procrastinar é multiplicar a nota do aluno pelo constante x (igual a p) elevada ao número de dias de antecedência i que o trabalho foi entregue.

b) A resposta esperada é que esse comportamento é racional segundo essa definição. Apesar da inconsistência temporal, o indivíduo procrastina de modo a maximizar a utilidade esperada. Possivelmente, serão aceitas respostas de que esse comportamento é irracional, desde que bem fundamentadas utilizando o modelo.

[collapse]

Questão 4 (Qualitativa 01) - "Uma Pequena Economia"

Considere que estamos no longínquo país Nocebo, onde moram e trabalham 1000 pessoas. Por simplificação, assuma que elas podem trabalhar em apenas duas atividades: pesca e agricultura. Assuma ainda que as pessoas são iguais em todas as suas características relevantes, como preferências por lazer ou trabalho, ou entre o ofício de pescador(a) ou
agricultor(a). Responda aos seguintes itens:

a) Dê um conjunto de hipóteses sobre os custos e benefícios suficientes para fazer com que seja ótimo para as pessoas não se especializarem totalmente em um único trabalho (ou seja, alocarem uma parte positiva do seu tempo para a agricultura e outra para a pesca). Explique por que tais hipóteses são suficientes.

b) Assuma que o governo dessa economia decidiu instituir um imposto de 10% sobre a pesca, que será transferido de volta às pessoas em partes iguais para cada uma. Assuma que seja impossível sonegar o imposto e que não haja perdas por mau uso do dinheiro no governo, seja via custos de transação, seja via corrupção (ainda que tanto a política quanto as hipóteses soem estranhas, assuma-as assim mesmo). Discuta o que deve acontecer com a renda da pesca nesse caso, justificando sua resposta.

c) Relacione o impacto observado na pesca ao conceito de externalidades.

Assunto abordado

Macroeconomia - Bens Comuns e Públicos

[collapse]
Solução

a) É uma possível linha argumentativa:

I) Podemos assumir que o benefício marginal do trabalho em cada atividade é constante e igual por simplificação (o que faz sentido se, por exemplo, o mercado onde os produtos for vendido tenha características concorrenciais, e que o único insumo para a produção seja o esforço do trabalho) e;

II) o custo marginal de produção em cada atividade é crescente no volume produzido, partindo de um patamar baixo quando comparado ao benefício marginal (o que faz sentido se assumirmos que a desutilidade do esforço em qualquer atividade é crescente e convexa, ou seja, que não gostamos de ficar o tempo todo fazendo a mesma coisa);

III) Nesse caso, o ponto ótimo de cada atividade será aquele que igualará benefício marginal ao custo marginal e é fácil ver que esse ponto será positivo nas duas atividades.

b) Para a nota completa da subquestão, deve-se abordar 2 pontos principais:

I) O imposto deve reduzir a renda da pesca pois ele mudará o benefício marginal dessa atividade sem impactar o benefício marginal da agricultura. Alternativamente, a descrição da situação da queda do benefício marginal, explicitando o desincentivo a pesca, também será considerado.

II) Com isso, os agentes devem otimamente dedicar uma parcela maior do seu tempo para a agricultura, aumentando a renda dessa atividade e reduzindo a da pesca.

c) O efeito é análogo ao de uma mudança no preço relativo do peixe do ponto de vista individual. O que acontece aqui é que o indivíduo não interioriza o benefício que a pesca traz nos demais agentes da economia (ao aumentar o montante arrecadado com o imposto), e essa externalidade muda a decisão dos indivíduos.

[collapse]

Questão 5 (Qualitativa 02) - "Indicadores Operacionais"

Considere os indicadores operacionais a seguir:

Assuma que você é o gestor de uma companhia (de qualquer setor e tamanho, a sua escolha) e precisa definir, entre os indicadores listados, o mais adequado para fazer a gestão do seu negócio. Sustente a sua escolha com clareza, objetividade e em detalhes.

Assunto abordado

Finanças - Indicadores de Operacionalidade e Análise Fundamentalista

[collapse]
Solução

Para a questão, não há resposta correta. Contudo, será avaliada à estrutura de resposta, de forma à ser pontuada conforme a qualidade da justificativa. Portanto, pode ser considerada uma resposta-modelo:

O ativo que melhor sintetiza todas as demais informações ao gestor é a Margem Líquida. Isso se deve ao fato de que:

I. Ela é a base de contabilização de vários outros indicadores, como o Return on Equity e Return on Assets - demonstrando, propriamente, quanto estamos faturando em comparação à nossa captação total de vendas (receita) decrescida de nossos custos para venda (Custo por Produto Vendido, CPV), ou seja, a receita líquida.

II. Ele é uma métrica essencial para definiri a continuidade do negócio e a possibilidade de crescimento, afinal, a partir dele será definida a Variação do Fluxo de Caixa e o CAPEX de uma determinada empresa, métricas que permitem uma projeção de quanto crescerá nos próximos anos.

III. Através desse indicador é possível concluir o valuation da empresa, permitindo ao gestor entender se está agregando ou subtraindo valor do negócio.

IV. Essa métrica será observada por todas as possíveis fontes de financiamento ao negócio (seja através de capital próprio ou de terceiros), afetando diretamente seu WACC - que, por sua vez, afeta diretamente as capacidades de crescimento da empresa.

[collapse]

Questão 6 (Qualitativa 03) - "A Aviação nos Tempos de Covid"

Em apenas quatro meses após o primeiro caso de COVID-19 reportado na China, o mundo inteiro sofreu um drástico impacto com sua grande repercussão, em quase todas as esferas da vida. Para evitar a propagação da doença, muitos países tomaram medidas drásticas para proteger sua população contra exposição, incluindo o fechamento de fronteiras e a imposição de quarentenas.

Com esse surto epidemiológico repentino, todos os setores da Economia foram afetados, e alguns deles sofreram um impacto severo e sem precedentes, como o setor de transporte de passageiros, especialmente o aéreo. A queda na demanda por viagens, quase total devido à imposição de restrições temporárias à movimentação de pessoas, foi muito maior do que a registrada nas duas mais recentes crises do setor aéreo, mesmo combinadas: o atentado de 11 de setembro de 2001 e a crise financeira de 2008.

O fechamento das fronteiras (aéreas e terrestres) a passageiros e a imposição de ficar em casa levou a demanda por viagens aéreas quase a zero. Como exemplo, nos Estados Unidos, é prevista uma contração de US$ 400 bilhões em despesas relacionadas a viagens, acarretando uma perda de aproximadamente US$ 900 bilhões em produção econômica:
esse cenário significa que a crise causada pela pandemia tem um impacto sete vezes maior que os acontecimentos do 11 de setembro de 2001 na receita do setor de viagens. No mundo, a capacidade do transporte aéreo sofreu uma redução de 70% a 80% em abril de 2020, comparado com abril de 2019, e diversas companhias aéreas tiveram que reduzir ou cessar totalmente suas operações. Em linhas gerais, quase 60% da frota aérea ficou em solo no início de abril de 2020. Abaixo, seguem gráficos que avaliam a quantidade de assentos vagos por milha e a eficiência de carregamento das linhas áreas nos Estados Unidos.

Estamos vivenciando um momento de mudança de paradigmas: muitas empresas subitamente se veem forçadas a buscar novos modelos e a reinventar-se para garantir a viabilidade de seus negócios mesmo em tempos inóspitos como o atual. Você é o/a CEO da Rooibos Airlines, a maior linha aérea do país Patínia (análogo, em sua realidade econômica, política e geográfica, com o Brasil) e se vê obrigado/a, junto com sua equipe, a tomar difíceis decisões condicionadas pela crise do coronavírus. Você precisa traçar novas estratégias e modelos para a sua empresa sobreviver, aprender e, se possível,
até mesmo prosperar nesse período. Com base na sua compreensão da atual realidade no Brasil e no Mundo, responda às questões abaixo:

a) Cite, objetivamente, 3 estratégias que as companhias aéreas devem adotar para se manterem operantes durante o período de pandemia, levando em conta as restrições atualmente em vigor.

b) Cite 4 setores que, junto com as companhias aéreas, contribuem para a execução e bom andamento de operações de vôo.

c) A partir do contexto atual e com base nos seus conhecimentos, faça uma projeção: quais serão os novos modelos de negócios que companhias aéreas irão adotar para, ainda que gradualmente, superarem a crise gerada pela pandemia?

Assunto abordado

Finanças - Estratégias de Negócios

Macroeconomia - Ciclo dos Negócios e Crises

[collapse]
Solução

a) O participante deve ter balizado a resposta com os seguintes pontos abaixo, notando que são pontos relativamente amplos, mas que delimitam estratégias das empresas para sobreviver no tempo de COVID-19.

  1. Reduzir operações logísticas e financeiras, mas mantendo em operação trajetos com maior incidência de pessoas e frequência, para manter um fluxo de caixa para pagar custos de operação;
  2. Adotar políticas de segurança para clientes e colaboradores dentro de locais públicos para reduzir o contágio; aumentar a higienização;
  3. Buscar estratégias de captação e fidelização de clientes durante a pandemia e após a pandemia - assegurar que o cliente que tinha uma passagem comprada no período do surto ainda vai querer manter o contato com a empresa;
  4. Buscar aproximação com o governo com a finalidade de pleitear incentivos governamentais e auxílios para manter a empresa funcionando.

b) O participante tem diversas opções para citar como serviços essenciais e auxiliares nas operações aéreas. Abaixo estão elencadas opções corretas em uma lista não-exaustiva. Poderão ser consideradas respostas além das aqui listadas, desde que sejam de fato relevantes.

1. Hotéis
2. Ônibus
3. Serviço de carregamento de bagagens
4. Serviços de seguro de bagagens (ProtectBag e similares)
5. Agências turísticas
6. Montadoras de avião
7. Segurança
8. Polícias rodoviárias, aéreas e internacionais
9. Empresa de fornecimento de gasolina
10. Serviço de controladores aéreos

c) Algumas possíveis respostas. Lista não-exaustiva:

  • Criar modelos com base em pontos turísticos mais relevantes (atrações turísticas, hotéis e
    eventos)
  • Devido ao surto, o público alvo mudou: muito provavelmente, os clientes mais jovens estarão
    mais dispostos a comprar passagens e viajar
  • Logo após o surto, será preferível fazer viagens com duração menor (1 a 2 semanas)
  • Passageiros irão preferir os vôos domésticos aos internacionais durante o gradual processo de renormalização da situação.

[collapse]