Aula 1.2 - Origens Históricas da Europa, da Ásia e África

Filosofia remete a conhecimento, ao conhecer e ao pensar. Estudar a disciplina e suas ramificações significa observar e tentar entender, a partir de uma lente, o modo de pensar e de sistematização do saber de culturas e civilizações, utilizando um conceito mais contemporâneo, diferentes. Dessa maneira, se a intenção é de fato compreender como viam e/ou veem o mundo as culturas de que se tem registro, precisa-se, antes disso, dar um passo atrás para ver como se formou o pensamento a ser estudado. Fazer isso significa concentrar-se, em princípio, na História e em como se constituiu a evolução histórica do povo, pois assim se pode captar a formação dos valores, códigos culturais, preconceitos, avanços e percepções.

Esse processo é especialmente importante quando se fala de filosofia oriental, para pessoas não são orientais. Como falado no parágrafo anterior - além de ser algo de suma importância e alvo de muitos debates -, o estudo (seja ele qual for) ocorre a partir de uma lente específica. Essa é a de quem está vendo, que, por si só, tem uma vivência e uma trajetória própria e diferente de qualquer outra. Tudo isso mexe com a noção de parcialidade e imparcialidade, algo impossível de ser alcançado totalmente, mas que ainda muito se insiste, numa espécie de busca por uma pureza total perante as análises.

Com a consciência de que não é possível abandonar totalmente a parcialidade, busca-se “aprimorar” a lente com a qual se vê o Oriente. Sendo lá outro lugar, com outras configurações e interfaces, um estudo que não tenha a preocupação de se desenviezar é bastante perigoso e pouco proveitoso. É importante manter em mente o que afirma o historiador Edward Said: a intenção, dessa maneira, não é criar e estimular o que ele chama de “orientalismo”, isto é, a ideia preconceituosa de que tudo o que não é ocidental é uma coisa só, mas sim de compreender de fato aquilo que não pertence à cultura da qual se faz e com o qual não se tem tanta identificação a princípio.

Enquanto na aula passada foi proposta uma reflexão geral, perpassando por fatos históricos, nesta o objetivo é abordar pontos que descrevem a formação do ponto de vista da História tanto a Europa, algo mais conhecido no Brasil, como também a África e a Ásia, bem como as relações entre os diferentes povos. Isso será feito com vistas a, como dito, promover uma compreensão do processo de desenvolvimento social e do desenrolar filosófico e do pensamento de diferentes sociedades, para que assim seja possível haver um entendimento mais plural e completo.

Começando pela Europa, inclusive a onde se creditam as origens da Filosofia (ocidental), o que se vê, iniciando de uma perspectiva mais geral, é uma pluralidade limitada e, de facto, pouco plural, por mais irônico que possa parecer. Grande parte da ideia que se construiu do continente vem do Império Romano. A cultura, monumentos e até a língua (inclusive a usada para esta comunicação) começaram ali, seja com a conquista de territórios, o Latim, a Pax Romana e o Mare Nostrum. Algo interessante de se observar é que a elitização já começava pelo idioma, ou seja, pelo meio de se comunicar, com uma subdivisão em Latim vulgar, que, como se pode deduzir, era falado por pessoas com baixa instrução.

Com a queda do Império Romano, algo extremamente importante acontece, em meio a outros fatos: a (re)afirmação da Igreja Católica tanto enquanto instituição, mas principalmente como majoritária do ponto de vista cultural é dominante nas sociedades. Houve uma série de episódios, notadamente as Cruzadas, mas também as Guerras de Reconquista, a Reforma Protestante (e contrarreforma), mas o catolicismo, mesmo que tenha sofrido abalos, não só continuou de pé como expandiu e conseguiu manter o seu domínio de poder - hard e soft -, algo fomentado também pela colonização e Grandes Navegações.

Isso é bastante relevante para o entendimento das bases do pensamento ocidental e das posteriores diferenças em relação aos demais, porque o cristianismo, entendido como parte indissociável da cultura europeia e, doravante, ocidental, tem muitas influências profundas no pensamento dessa cultura. A prova disso são os mais diferentes acontecimentos na Europa, inclusive a Revolução Francesa, e a sempre presente, embora às vezes não tão claramente ou de maneira mais contida, influência cristã. Um bom exemplo é o chamado jusnaturalismo, uma teoria política hoje vista como quase senso comum, sobretudo no ocidente, que nasceu a partir do movimento de 1789, com bases também religiosas.

Falar de África é muito difícil. A historiografia à qual o Brasil foi subscrito é eurocêntrica e por séculos invalidou quase toda a história de povos que residem no continente com justificativas rasas e completamente etnocêntricas, como a de apenas considerar documentos históricos escritos. Foi apenas muito reverentemente que houve um movimento com vistas a questionar esse status quo, inclusive com estudiosos da própria Europa defendendo o mínimo que deve ser feito, que é ouvir as pessoas, suas histórias e o que elas têm dizer. A partir de então, vem se construindo uma nova concepção histórica e, por conseguinte, filosófica do tema.

Cumpre manter em mente que África é um continente. Inclusive, que é enorme, muito maior do que a Europa, por exemplo, no sentido da geografia física. Assim, é impossível falar de qualquer tipo de homogeneidade em um lugar tão grande e diverso, que abarca milhares de povos, etnias e culturas, tampouco seria possível abordar todas elas com o mínimo detalhamento. Dessa maneira, não é essa a intenção; busca-se, todavia, ver o panorama que foi desenhado por diferentes culturas em diferentes locais, para então poder compreender como se deve organizar a mente e o intelecto para adentrar do ponto de vista filosófico em África.

Durante o que a Europa chama de Idade Média, diversos reinos se constituíram no continente africano, alguns deles até relativamente conhecidos no ocidente, a exemplo de Mali e Gana. O poder, muitas vezes, era concentrado em uma só pessoa e a economia era bastante baseada no cultivo e riquezas locais, com a existência do comércio intracontinental. Existia a escravidão, por guerra ou dívidas, mas era radicalmente e conceitualmente diferente ao tráfico de pessoas escravizadas promovido por países europeus. Em questão de religião, observa-se o culto politeísta, sem uma delimitação específica, sendo bastante variado a depender da etnia/grupo.

Várias dessas características não param nessa época e influenciam filosofias de África que seguem até este século, como se verá em aulas futuras. Outra questão também importante é o Islamismo. A religião foi introduzida no continente externamente a partir de invasões, rotas comerciais e interação em geral com muçulmanos vindos da Península Arábica, atingindo principalmente regiões mais próximas da Península, como o Norte de África. A influência islâmica foi muito grande e introduziu uma série de códigos culturais e práticas, que seguem (obviamente com as mudanças inerentes ao tempo) nos atuais países africanos que compreendem as terras que passaram pelo processo.

A evolução histórica da Ásia segue uma lógica parecida. O continente é também bastante plural, com diferentes povos, culturas e línguas. Essa percepção, todavia, quando se olha partindo do ocidente é mais clara, principalmente quando comparada à realidade de África. Existe, entretanto, bastante xenofobia, algo que emergiu bastante durante a pandemia da COVID-19, mas que é constante, a exemplo da homogeneização da aparência física, comentários igualmente preconceituoso quanto à capacidade intelectual, além de termos pejorativos para se referir a pessoas asiáticas, tudo isso muito comum no Brasil, também por causa das ondas de imigração no país.

Não é possível, também, tratar de maneira homogênea toda a História do continente asiático. Nesse caso, lembra-se inclusive que algumas sociedades da Ásia remontam a passados milenares, com exemplos conhecidos como China e Japão. Isso é importante, ainda, para pensar em provocações quanto à historiografia eurocêntrica nos mais diversos ramos, como as Revoluções Industriais, bem como diversos marcos históricos. Uma maneira de perceber esse avanço é a quantidade de invenções que, mesmo a nível escolar, vê-se relacionadas, por exemplo, à China, como a bússola, dentre outros estudos e ciências. E é justamente nesse contexto que se deve olhar para a Ásia. Foram vários impérios, guerras, conquistas e uma pluralidade cultural imensa, algo conservado até os dias de hoje. 

Quanto à sistemática filosófica e do pensamento, algo constante em diferentes culturas e filosofias, como o confucionismo e taoísmo, é a visão voltada à coletividade. No Ocidente, isso é muito diferente, já que o modo de pensar é baseado no indivíduo. Não se pode esquecer da visão e a noção quanto à autoridade, em que se encontram divergências quase que frontais entre as filosofias, de maneira que, por exemplo, pode-se dizer que alguns princípios orientais ainda conservados foram abandonados pelo Ocidente (Europa) após a Idade Média, no contexto do Renascimento, Iluminismo e contestação aos valores desse período.

Observando em retrospecto, pôde-se sistematizar, de maneira geral, as evoluções históricas de Ocidente e Oriente, suas proximidades e distâncias e como elas interagiram na História. As comparações com a atualidade, algo muito importante, foram mais contidas, especialmente porque a intenção foi realmente compreender o que já passou - e que obviamente influencia toda a configuração e interfaces atuais das civilizações e, por conseguinte, do mundo. A partir disso, explorar (que é algo que está sendo feito em escala mundial e de maneira coletiva) e conhecer como evoluíram as diferentes civilizações e as semelhanças e diferenças entre seus respectivos processos muda totalmente a lente através da qual passarão os raios de luz, ou melhor, de pensamento, que vêm do leste.

 

- Aula escrita por João Vitor Zaidan

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Bons Estudos!


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