Escrito por Matheus Felipe R. Borges
Nesta aula vamos estudar a rotação e o equilíbrio de corpos extensos: para isso, será necessário definir uma grandeza chamada torque, que será de essencial importância. É recomendado que o aluno possua uma noção breve acerca de derivadas, haja vista que serão usadas em algumas passagens da aula - no entanto isso não é, de forma alguma, necessário para o entendimento geral da aula.
Operações com vetores
Antes de tudo, precisamos saber de algumas operações com vetores que não foram apresentadas na aula 1.0:
Produto escalar
O produto escalar de dois vetores e nos dá uma grandeza escalar e é definido por
onde é o menor ângulo entre os vetores, podemos também escrever o produto escalar em termos das componentes
pela definição
portanto
Figura 1: Dois vetores.
Produto vetorial
O produto vetoral de dois vetores e nos dá um vetor e é definido por
onde é o menor ângulo entre os vetores e é um vetor unitário cuja direção é definida pela regra de Fleming ou regra da mão direita: com sua mão direita aponte seus dedos na direção do primeiro vetor (no caso o vetor ) e gire-os(fechando a mão) pelo menor ângulo na direção do segundo vetor (o vetor ) assim seu polegar indicará a direção de .
Figura 2: Produto vetorial.
Podemos escrever o produto vetorial em função das componentes
pela definição
então
esse resultado também pode ser sintetizado como o determinante de uma matriz (esse fato não será particularmente útil para os fins do nosso curso):
Torque
Ideias gerais
Imagine que você tem uma barra presa em um ponto e aplique uma força na barra, como mostrado na figura 3, qual será a aceleração angular dessa barra? A primeira vista você pode pensar em usar a segunda lei de Newton diretamente, porém o que prende a barra ao ponto realiza uma força desconhecida, então temos que fazer outra análise.
Figura 3: Barra com extremidade fixa.
Devemos achar uma analogia entre as equações angulares e lineares
(deslocamento linear) (deslocamento angular)
(velocidade linear) (velocidade angular)
(aceleração linear) (aceleração angular)
para passarmos à dinâmica das rotações devemos achar uma grandeza análoga à força. Uma forma de definir força seria por meio do trabalho
o análogo de para rotação seria uma grandeza (chamada torque, a palavra vem do latem "torquere", que significa "torcer".) tal que
Figura 4: Barra com extremidade fixa rodando.
Vamos analisar um pequeno deslocamento angular da barra mencionada anteriormente, como o deslocamento é pequeno é praticamente tangente a barra. O trabalho realizado por é
a magnitude do deslocamento é
concluímos que
Esse resultado pode ser reescrito de duas formas, que destacam aspectos diferentes. Primeiro, podemos decompor na direção tangente a barra
então
mostrando que só a componente perpendicular importa na rotação, é o que esperávamos.
Figura 5: Componente da força.
Podemos também expressar o torque por
onde
é a menor distância do ponto à linha de ação da força. Essa distância é chamada de "braço de alavanca" da força.
Figura 6: Braço de alavanca.
Vamos agora dar um caráter vetorial para o torque, note que tem o mesmo formato de um produto vetorial
ou seja, podemos expressar o torque vetorialmente por
É importante ressaltar que calculamos o torque em relação a um dado ponto fixo ( é o vetor que liga o ponto ao ponto de aplicação da força), se trocarmos o ponto , o torque, em geral, muda.
Relação do torque com a aceleração angular
Agora vamos finalmente relacionar o torque com a aceleração angular. Imagine um conjunto de partículas rodando em torno de um eixo com velocidade angular , sendo e a massa e a posição da partícula , então a energia do sistema será
Chamamos o termo de momento de inércia do sistema (abordado de forma mais aprofundada na aula 1.11)
Sabemos que
Para pequenas variações usamos a forma diferencial
Observando que (sendo a aceleração angular), concluímos que
Podemos escrever na forma vetorial*
Finalmente encontramos uma relação entre o torque e a aceleração angular, note que ela é bem análoga à segunda lei de newton onde
(força) (torque)
(aceleração linear) (aceleração angular)
(massa) (momento de inércia)
*OBS: Geralmente não se faz necessário utilizar a forma vetorial quando escrevemos o torque desta forma.
Exemplo 1: Um cilindro homogêneo de raio é rotacionado em torno do seu eixo com velocidade angular e então é colocado na quina de uma parede (Figura 7). O coeficiente de atrito em todas as superfícies é . Quanto tempo leva para o cilindro parar? (O momento de inércia do cilindro em relação ao centro de massa é )
Figura 7: Cilindro rodando na parede.
Podemos notar que o centro de massa do cilindro sempre está parado, ou seja, a força resultante no cilindro é nula, porém existe uma aceleração angular. Pelo torque e equilíbrio das forças podemos escrever
Figura 8: Diagrama de forças.
como há movimento relativo entre as superfícies os atritos são cinéticos , então
portanto
Estática de corpos rígidos
Agora vamos estudar - através de alguns exemplos - o equilíbrio de corpos rígidos. Para um corpo estar em equilíbrio, ele não pode ter aceleração angular nem linear, ou seja, tanto o torque quanto a força resultante devem ser nulos:
Você pode se perguntar: em relação a qual ponto o torque deve ser nulo? A resposta é que o torque é nulo em relação a todos os pontos do espaço: inclusive pontos que estejam fora da extensão do corpo. Pode-se provar que, se a força resultante em um sistema é nula, isso implica que o torque é o mesmo em relação a qualquer ponto; esse fato é provado na ideia 07 (clique aqui para acessá-la). Vejamos alguns exemplos envolvendo estáticas de corpos extensos:
Exemplo 2: Considere uma barra de comprimento e massa presa em sua extremidade por um pivô. Qual deve ser a força aplicada na outra extremidade para manter a barra em equilíbrio?
Figura 9: Barra em equilíbrio.
Vamos aplicar o torque em relação ao pivô, como a barra está em equilíbrio o torque é nulo
então
pelo equilíbrio das forças podemos achar a normal no pivô
Exemplo 3: Um ioiô de massa , raio interno e raio externo é puxado por uma força que faz um ângulo com a horizontal. Qual deve ser o ângulo para o ioiô se manter em equilíbrio? Para qual lado o ioiô roda se o ângulo diminuir? E se aumentar? Considere que o atrito é grande o suficiente para o ioiô não deslizar.
Figura 10: Ioiô.
Note que em relação ao ponto de contato com o solo o peso, a normal e o atrito não realizam torque, então a única forma do ioiô estar em equilíbrio é se a força apontar para o ponto de contato, caso contrário existiria torque resultante.
Figura 11: Equilíbrio do ioiô.
portanto, no equilíbrio
Se o mudar a linha de ação da força não passa mais pelo ponto de contato com o solo então o ioiô não vai ficar em equilíbrio. Caso o angulo diminua a linha de ação da força será
Figura 11: Linha de ação da força. (ângulo diminuindo)
Nesse caso o torque faz o ioiô rodar e ir para a direita. Se o ângulo aumentar a linha de ação da força será
Figura 12: Linha de ação da força. (ângulo aumentando)
Nesse caso o torque faz o ioiô rodar e ir para a esquerda.
Exemplo 4: Considere um cubo de aresta em um plano inclinado com atrito. Determine qual o ângulo máximo do plano para o cubo permanecer em equilíbrio. Admita que o atrito é muito grande e o cubo não desliza.
Figura 13: Possíveis posições do bloco.
Perceba que enquanto a linha de ação do peso não passa pelo ponto (primeira e segunda imagem) é possível balancear o torque do peso com a força de contato. Porém, quando a linha passa do ponto , isto torna-se impossível e então o cubo roda. O caso limite é justamente quando o peso passa exatamente pelo ponto , analisando geometricamente chegamos em
Figura 14: Caso limite.
- Uma das ideias mais úteis para resolver problemas de estática é o teorema das três forças, que relaciona as linhas de ação das três forças que atuam em um certo sistema em equilíbrio. O estudo da ideia 07 (clique aqui para acessá-la) é fortemente recomendado (em especial, para alunos que estão se preparando para a OBF ou vestibulares militares como ITA/IME).