Aula 1.9 - Torque

Escrito por Matheus Felipe R. Borges

Nesta aula vamos estudar a rotação e o equilíbrio de corpos extensos: para isso, será necessário definir uma grandeza chamada torque, que será de essencial importância. É recomendado que o aluno possua uma noção breve acerca de derivadas, haja vista que serão usadas em algumas passagens da aula - no entanto isso não é, de forma alguma, necessário para o entendimento geral da aula. 

Operações com vetores

Antes de tudo, precisamos saber de algumas operações com vetores que não foram apresentadas na aula 1.0:

Produto escalar

O produto escalar de dois vetores \vec{a} e \vec{b} nos dá uma grandeza escalar e é definido por

\vec{a}\cdot\vec{b}=|\vec{a}||\vec{b}|\cos{\theta}

onde \theta é o menor ângulo entre os vetores, podemos também escrever o produto escalar em termos das componentes \vec{a}=a_x\hat{x}+a_y\hat{y}+a_z\hat{z}    \vec{b}=b_x\hat{x}+b_y\hat{y}+b_z\hat{z}

\vec{a}\cdot\vec{b}=(a_x\hat{x}+a_y\hat{y}+a_z\hat{z})\cdot(b_x\hat{x}+b_y\hat{y}+b_z\hat{z})

pela definição

\hat{x}\cdot\hat{x}=1    \hat{y}\cdot\hat{y}=1     \hat{z}\cdot\hat{z}=1

\hat{x}\cdot\hat{y}=0    \hat{y}\cdot\hat{x}=0    \hat{z}\cdot\hat{x}=0

\hat{x}\cdot\hat{z}=0    \hat{y}\cdot\hat{z}=0    \hat{z}\cdot\hat{y}=0

portanto

\vec{a}\cdot\vec{b}=a_xb_x+a_yb_y+a_zb_z

Figura 1: Dois vetores.

Produto vetorial

O produto vetoral de dois vetores \vec{a} e \vec{b} nos dá um vetor e é definido por

\vec{a}\times\vec{b}=|\vec{a}||\vec{b}|\sin{\theta} \hat{n}

onde \theta é o menor ângulo entre os vetores e \hat{n} é um vetor unitário cuja direção é definida pela regra de Fleming ou regra da mão direita: com sua mão direita aponte seus dedos na direção do primeiro vetor (no caso o vetor \vec{a}) e gire-os(fechando a mão) pelo menor ângulo na direção do segundo vetor (o vetor \vec{b}) assim seu polegar indicará a direção de \hat{n}.

Figura 2: Produto vetorial.

Podemos escrever o produto vetorial em função das componentes \vec{a}=a_x\hat{x}+a_y\hat{y}+a_z\hat{z}    \vec{b}=b_x\hat{x}+b_y\hat{y}+b_z\hat{z}

\vec{a}\times\vec{b}=(a_x\hat{x}+a_y\hat{y}+a_z\hat{z})\times(b_x\hat{x}+b_y\hat{y}+b_z\hat{z})

pela definição

\hat{x}\times\hat{x}=0    \hat{y}\times\hat{y}=0     \hat{z}\times\hat{z}=0

\hat{x}\times\hat{y}=\hat{z}    \hat{y}\times\hat{x}=-\hat{z}    \hat{z}\times\hat{x}=\hat{y}

\hat{x}\times\hat{z}=-\hat{y}    \hat{y}\times\hat{z}=\hat{x}    \hat{z}\times\hat{y}=-\hat{x}

então

\vec{a}\times\vec{b}=(a_yb_z-a_zb_y)\hat{x}+(a_zb_x-a_xb_z)\hat{y}+(a_xb_y-a_yb_x)\hat{z}

esse resultado também pode ser sintetizado como o determinante de uma matriz (esse fato não será particularmente útil para os fins do nosso curso):

\vec{a}\times\vec{b}=\begin{vmatrix} \hat{x} & \hat{y} & \hat{z} \\ a_x & a_y & a_z \\ b_x & b_y & b_z \end{vmatrix}

Torque

Ideias gerais

Imagine que você tem uma barra presa em um ponto P e aplique uma força \vec{F} na barra, como mostrado na figura 3, qual será a aceleração angular dessa barra? A primeira vista você pode pensar em usar a segunda lei de Newton diretamente, porém o que prende a barra ao ponto P realiza uma força desconhecida, então temos que fazer outra análise.

Figura 3: Barra com extremidade fixa.

Devemos achar uma analogia entre as equações angulares e lineares

x (deslocamento linear) \longrightarrow \theta (deslocamento angular)

V (velocidade linear) \longrightarrow \omega (velocidade angular)

a (aceleração linear) \longrightarrow \alpha (aceleração angular)

para passarmos à dinâmica das rotações devemos achar uma grandeza análoga à força. Uma forma de definir força seria por meio do trabalho

\Delta{w}=F\Delta{x}

o análogo de F para rotação seria uma grandeza \tau (chamada torque, a palavra vem do latem "torquere", que significa "torcer".) tal que

\Delta{w}=\tau\Delta{\theta}

Figura 4: Barra com extremidade fixa rodando.

Vamos analisar um pequeno deslocamento angular \Delta{\theta} da barra mencionada anteriormente, como o deslocamento é pequeno \Delta{\vec{r}} é praticamente tangente a barra. O trabalho realizado por \vec{F} é

\Delta{w}=\vec{F}\cdot{\Delta{\vec{r}}}=F\sin{\varphi}\Delta{r}

a magnitude do deslocamento é \Delta{r}=r\Delta{\theta}

\Delta{w}=Fr\sin{\varphi}\Delta{\theta}

concluímos que

\tau=Fr\sin{\theta}

Esse resultado pode ser reescrito de duas formas, que destacam aspectos diferentes. Primeiro, podemos decompor \vec{F} na direção tangente a barra \vec{F}_{\perp}

F_{\perp}=F\sin{\varphi}

então

\tau=F_{\perp}r

mostrando que só a componente perpendicular importa na rotação, é o que esperávamos.

Figura 5: Componente da força.

Podemos também expressar o torque por

\tau=Fr_{\perp}

onde

r_{\perp}=b=r\sin{\varphi}

r_{\perp} é a menor distância do ponto P à linha de ação da força. Essa distância é chamada de "braço de alavanca" da força.

Figura 6: Braço de alavanca.

Vamos agora dar um caráter vetorial para o torque, note que \tau=Fr\sin{\varphi} tem o mesmo formato de um produto vetorial

\tau=|\vec{r}\times\vec{F}|

ou seja, podemos expressar o torque vetorialmente por

\vec{\tau}=\vec{r}\times\vec{F}

 

É importante ressaltar que calculamos o torque em relação a um dado ponto fixo P (\vec{r} é o vetor que liga o ponto P ao ponto de aplicação da força), se trocarmos o ponto P, o torque, em geral, muda.

Relação do torque com a aceleração angular

Agora vamos finalmente relacionar o torque com a aceleração angular. Imagine um conjunto de n partículas rodando em torno de um eixo com velocidade angular \omega, sendo m_i e \vec{r}_i a massa e a posição da partícula i, então a energia do sistema será

W=\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{\dfrac{m_i{r_i}^2\omega^2}{2}}

Chamamos o termo I=\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{m_i{r_i}^2} de momento de inércia do sistema (abordado de forma mais aprofundada na aula 1.11)

W=\dfrac{I{\omega}^2}{2}

Sabemos que

\tau=\dfrac{\Delta{W}}{\Delta{\theta}}

Para pequenas variações usamos a forma diferencial

\tau=\dfrac{dW}{d\theta}

\tau=\dfrac{I}{2}\dfrac{d({\omega}^2)}{d\theta}

\tau=I\omega\dfrac{d\omega}{d\theta}=I\dfrac{d\theta}{dt}\dfrac{d\omega}{d\theta}

Observando que d\omega/dt=\alpha (sendo \alpha a aceleração angular), concluímos que

\tau=I\alpha

Podemos escrever na forma vetorial*

\vec{\tau}=I\vec{\alpha}

Finalmente encontramos uma relação entre o torque e a aceleração angular, note que ela é bem análoga à segunda lei de newton \vec{F}=m\vec{a} onde

F (força)\longrightarrow\tau (torque)

a (aceleração linear)\longrightarrow\alpha (aceleração angular)

m (massa)\longrightarrowI (momento de inércia)

*OBS: Geralmente não se faz necessário utilizar a forma vetorial quando escrevemos o torque desta forma.

Exemplo 1: Um cilindro homogêneo de raio R é rotacionado em torno do seu eixo com velocidade angular \omega_0 e então é colocado na quina de uma parede (Figura 7). O coeficiente de atrito em todas as superfícies é \mu. Quanto tempo leva para o cilindro parar? (O momento de inércia do cilindro em relação ao centro de massa é I_{cm}=\dfrac{mR^2}{2})

Figura 7: Cilindro rodando na parede.

Podemos notar que o centro de massa do cilindro sempre está parado, ou seja, a força resultante no cilindro é nula, porém existe uma aceleração angular. Pelo torque e equilíbrio das forças podemos escrever

mg=N_1+Fat_2

N_2=Fat_1

-R(Fat_1+Fat_2)=I_{cm}\alpha

Figura 8: Diagrama de forças.

como há movimento relativo entre as superfícies os atritos são cinéticos Fat_1=N_1\mu    Fat_2=N_2\mu, então

Fat_1=\dfrac{mg\mu}{1+\mu^2}

Fat_1=\dfrac{mg\mu^2}{1+\mu^2}

portanto

-\dfrac{mgR\mu(1+\mu)}{1+\mu^2}=I_{cm}\alpha

-\dfrac{g\mu(1+\mu)}{1+\mu^2}=\dfrac{R\alpha}{2}

\alpha=-\dfrac{2g\mu(1+\mu)}{R(1+\mu^2)}

t=\dfrac{(0-\omega_0)}{\alpha}

t=\dfrac{\omega_0R(1+\mu^2)}{2g\mu(1+\mu)}

Estática de corpos rígidos

Agora vamos estudar - através de alguns exemplos - o equilíbrio de corpos rígidos. Para um corpo estar em equilíbrio, ele não pode ter aceleração angular nem linear, ou seja, tanto o torque quanto a força resultante devem ser nulos:

\vec{F}_{res}=\vec{0}

\vec{\tau}=\vec{0}

Você pode se perguntar: em relação a qual ponto o torque deve ser nulo? A resposta é que o torque é nulo em relação a todos os pontos do espaço: inclusive pontos que estejam fora da extensão do corpo. Pode-se provar que, se a força resultante em um sistema é nula, isso implica que o torque é o mesmo em relação a qualquer ponto; esse fato é provado na ideia 07 (clique aqui para acessá-la). Vejamos alguns exemplos envolvendo estáticas de corpos extensos:

Exemplo 2: Considere uma barra de comprimento L e massa m presa em sua extremidade por um pivô. Qual deve ser a força aplicada na outra extremidade para manter a barra em equilíbrio?

Figura 9: Barra em equilíbrio.

Vamos aplicar o torque em relação ao pivô, como a barra está em equilíbrio o torque é nulo

mg\dfrac{L}{2}-FL=0

então

\dfrac{mg}{2}

pelo equilíbrio das forças podemos achar a normal no pivô

N+F=mg

N=\dfrac{mg}{2}

Exemplo 3: Um ioiô de massa M, raio interno r e raio externo R é puxado por uma força F que faz um ângulo \varphi com a horizontal. Qual deve ser o ângulo \varphi para o ioiô se manter em equilíbrio? Para qual lado o ioiô roda se o ângulo diminuir? E se aumentar? Considere que o atrito é grande o suficiente para o ioiô não deslizar.

Figura 10: Ioiô.

Note que em relação ao ponto de contato com o solo o peso, a normal e o atrito não realizam torque, então a única forma do ioiô estar em equilíbrio é se a força F apontar para o ponto de contato, caso contrário existiria torque resultante.

Figura 11: Equilíbrio do ioiô.

portanto, no equilíbrio

\cos{\varphi}=\dfrac{r}{R}

Se o \varphi mudar a linha de ação da força F não passa mais pelo ponto de contato com o solo então o ioiô não vai ficar em equilíbrio. Caso o angulo \varphi diminua a linha de ação da força será

Figura 11: Linha de ação da força. (ângulo diminuindo)

Nesse caso o torque faz o ioiô rodar e ir para a direita. Se o ângulo \varphi aumentar a linha de ação da força será

Figura 12: Linha de ação da força. (ângulo aumentando)

 

Nesse caso o torque faz o ioiô rodar e ir para a esquerda.

Exemplo 4: Considere um cubo de aresta a em um plano inclinado com atrito. Determine qual o ângulo máximo do plano para o cubo permanecer em equilíbrio. Admita que o atrito é muito grande e o cubo não desliza.

 

 

Figura 13: Possíveis posições do bloco.

Perceba que enquanto a linha de ação do peso não passa pelo ponto P (primeira e segunda imagem) é possível balancear o torque do peso com a força de contato. Porém, quando a linha passa do ponto P, isto torna-se impossível e então o cubo roda. O caso limite é justamente quando o peso passa exatamente pelo ponto P, analisando geometricamente chegamos em

\alpha_{max}=45^{\circ}

Figura 14: Caso limite.

  • Uma das ideias mais úteis para resolver problemas de estática é o teorema das três forças, que relaciona as linhas de ação das três forças que atuam em um certo sistema em equilíbrio. O estudo da ideia 07 (clique aqui para acessá-la) é fortemente recomendado (em especial, para alunos que estão se preparando para a OBF ou vestibulares militares como ITA/IME).