Aula 5.3 - Energia potencial elétrica, trabalho e potencial elétrico

Escrito por Ualype Uchôa

Nessa aula, iniciaremos uma discussão energética acerca dos fenômenos eletrostáticos, introduzindo os conceitos de energia potencial elétrica e uma grandeza de suma importância, o potencial elétrico. É importante que o aluno esteja familiarizado com o estudo de forças conservativas, trabalho e energia, além de noções de cálculo diferencial. Primeiramente, discutiremos sobre distribuições de cargas pontuais, e, posteriormente na aula, iremos estender essa discussão para distribuições contínuas.

Energia potencial elétrica entre cargas pontuais

Como já fora falado na Aula 5.1 , a força elétrica possui natureza conservativa. Isto é, o trabalho realizado por esta força, em uma trajetória que vai de um ponto a outro do espaço, independe do caminho tomado. Sendo assim, podemos associar à esta força uma energia potencial elétrica, assim como fazemos na gravitação. Vamos considerar uma carga pontual q fixa, e uma carga de prova pontual Q a uma distância r desta. A energia potencial de interação entre elas será:

U=\dfrac{K_0 Qq}{r}=\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0}\dfrac{Qq}{r}.

Um comportamento igual ao da energia potencial gravitacional (U=-\dfrac{GMm}{r}), como esperado. Note que, caso as cargas possuam sinais opostos, a energia potencial é negativa, e, caso o sinal seja o mesmo, positiva. Vejamos os exemplos a seguir:

Exemplo 1:

Calcule a energia potencial elétrica da distribuição discreta de cargas mostrada na figura a seguir.

Figura 1: Configuração de cargas pontuais q_1, q_2 e q_3.

Solução: 

Em problemas deste tipo, devemos tomar muito cuidado ao calcular a energia de interação, pois corremos o risco de contar o mesmo par mais de uma vez. A energia será composta por três termos: a energia entre 1 e 2, 2 e 3, e 1 e 3. Assim:

U=\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0}\left(\dfrac{q_1 q_2}{r_{12}}+\dfrac{q_2 q_3}{r_{23}}+\dfrac{q_1 q_3}{r_{13}}\right).

Podemos generalizar o resultado para N cargas, cujas separações são r_{ij} com i,j=1,2,3...N:

U=\dfrac{1}{4\pi \epsilon_0}\displaystyle \sum_{i=1}^{N} \displaystyle \sum_{j=1}^{N} \dfrac{q_i q_j}{r_{ij}}.

Com j>i, para lembrá-lo de não contar o mesmo par mais de uma vez. Alternativamente, nós podemos intencionalmente contar o mesmo par duas vezes, e então dividir o resultado por dois:

U=\dfrac{1}{8\pi \epsilon_0}\displaystyle \sum_{i=1}^{N} \displaystyle \sum_{j=1}^{N} \dfrac{q_i q_j}{r_{ij}}

Com i \neq j, claro.

Exemplo 2:

Dois corpos pontuais, A de massa m e carga -q; B, de massa 2m e carga +q, estão inicialmente em repouso e separados por uma distância r. Supondo que passem a se movimentar sob a ação exclusiva da atração elétrica mútua, quando a distância entre eles for r/2 quais serão suas velocidades?

Solução:

Sejam v_A e v_B as velocidades dos corpos no instante pedido. Primeiramente, achemos uma relação entre elas conservando o momento linear do sistema, haja vista que este é isolado:

0=m_A v_A + m_B v_B,

v_B=-\dfrac{v_A}{2}.

Como não atuam forças dissipativas neste sistema, podemos também conservar sua energia mecânica:

E_{inicial}=E_{final},

\dfrac{K_0(q)(-2q)}{r}=\dfrac{1}{2}mv^2_A+\dfrac{1}{2}(2m)v^2_{B}+\dfrac{K_0(q)(-2q)}{\dfrac{r}{2}}.

Usando a relação entre as velocidades podemos, então, calculá-las facilmente:

v_A=\sqrt{\dfrac{8K_0 q^2}{3mr}} e v_B=-\sqrt{\dfrac{2K_0 q^2}{3mr}}.

Trabalho e potencial elétrico de uma carga pontual

Vamos considerar, ainda, a mesma configuração da seção anterior. Suponha que a carga Q, estava a uma distância r_a de q, e, um certo tempo depois, devido à ação da força elétrica, encontra-se a uma distância r_b. Utilizando a definição de uma força conservativa, podemos calcular o trabalho realizado pela força elétrica:

W=-\Delta U,

W=Q\left(\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0}\dfrac{q}{r_a}-\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0}\dfrac{q}{r_b}\right).

Evidentemente, caso quiséssemos mover a carga lentamente de r_a até r_b, (através de qualquer caminho), deveríamos exercer um trabalho -W:

-W=Q\left(\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0}\dfrac{q}{r_b}-\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0}\dfrac{q}{r_a}\right).

Iremos, aqui, definir uma importantíssima grandeza: o potencial elétrico, de tal forma que:

-W=Q \Delta V_{ab}=Q(V_b-V_a).

Onde \Delta V é a diferença de potencial, muitas vezes chamadas de DDP. Evidentemente, com b tendendo ao infinito:

V_a=\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0}\dfrac{q}{a}+V_{\infty}

Definindo o potencial no infinito como zero, obtemos uma expressão para o potencial elétrico de uma carga pontual como função da distância até esta:

V(r)=\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0}\dfrac{q}{r}.

Perceba que, com essa definição, podemos calcular o potencial (ou a energia) mediante:

V=\dfrac{U}{Q}.

O que nos traz uma interpretação interessante para o potencial elétrico: a energia potencial por unidade de carga disponível no espaço. Sendo assim, as características principais do potencial elétrico são:

\cdot É uma grandeza escalar.

\cdot Possui unidades, no SI, de J/C, comumente chamado de volts \left(V\right).

\cdot Não depende do valor da carga de prova, e possui valores bem definidos para cada ponto do espaço.

\cdot Além disso, o potencial também obedece o princípio da superposição: caso N cargas puntiformes gerem potenciais V_1, V_2, V_3...V_N em um ponto P, o potencial em P será:

V_P=V_1+V_2+V_3+...+V_N=\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0} \displaystyle \sum_{i=1}^{n} \dfrac{q_i}{r_i}

O que facilita bastante a nossa vida, pois estamos lidando com uma soma algébrica, e não vetorial como para campos e forças. Veja o exemplo:

Exemplo 3:

Um elétron (carga -e e massa m) é acelerado do repouso por uma diferença de potencial V entre dois pontos. Determine a velocidade final do elétron.

Solução:

Aqui, uma simples aplicação direta do teorema da energia cinética. A única força atuante é a força elétrica, e seu trabalho será dado por:

eV=\dfrac{mv^2_f}{2}-\dfrac{mv^2_0}{2}

v_f=\sqrt{\dfrac{2eV}{m}}.

Superfícies equipotenciais

Apresentemos e falemos brevemente sobre um conceito muito importante: equipotenciais. Como sugere o nome, superfícies equipotenciais são aquelas tais que o potencial é o mesmo para qualquer ponto delas. Para uma carga pontual isolada, por exemplo, as superfícies equipotenciais são esferas centradas na carga (pontilhadas no desenho), pois o potencial gerado pela carga depende apenas da distância radial até ela:

Figura 2: Equipotenciais de uma carga puntiforme positiva.

Para duas cargas positivas e negativas próximas (sistema conhecido como dipolo elétrico), as superfícies equipotenciais (marcadas em azul) tomam a seguinte forma não trivial:

Figura 3: Superfícies equipotenciais de um dipolo elétrico.

Uma característica importante a ser percebida acerca destas superfícies é que as linhas de campo são sempre perpendiculares a elas em qualquer ponto! Como justificativa, imagine que uma carga q se desloca de um ponto a outro ao longo de uma superfície equipotencial. O trabalho realizado pela força elétrica será -q\delta V=0, pela definição dessa superfície. Mas isso só é possível se o campo elétrico for sempre perpendicular ao deslocamento, de tal forma que o trabalho realizado será nulo. O exemplo a seguir nos dará um resultado muito importante:

Exemplo 4:

Uma região do espaço é preenchida por um campo elétrico uniforme de intensidade E. Quais são as equipotenciais do sistema? Determine a DDP entre duas equipotenciais espaçadas por d.

Solução:

Como as equipotenciais são perpendiculares às linhas de campo, é evidente que estas devem ser retas (superfícies planas, em 3D) paralelas. Quanto à DDP, podemos imaginar uma carga q movendo se devido à ação única da força elétrica. Quando ela anda uma distância d, o trabalho realizado pela força foi qEd. Como o trabalho da força elétrica é -q \Delta V, concluímos que:

\Delta V=-Ed

\Delta V=Ed.

Ou seja, o potencial diminui à medida que nos deslocamos ao longo do sentido das linhas de campo.

Neste momento, chamo a atenção do leitor: nas seções a seguir, lidaremos com distribuições contínuas, e aprimoraremos a noção de potencial, com uma definição mais formal e mais abrangente; sendo assim, necessitaremos do uso de cálculo. Recomendo fortemente que o leitor esteja familiarizado com tal ferramenta, mas, caso contrário, dê atenção para os resultados aqui derivados.

Potencial de uma distribuição contínua

É claro que, com o que sabemos até agora, nossa noção de potencial elétrico é bem limitada. Para lidarmos com distribuições contínuas, precisaremos utilizar a definição formal de potencial elétrico. Suponha uma região no espaço preenchida por um campo elétrico \vec{E}(não nos importa, agora, as características da fonte geradora de campo), na qual existam dois pontos imaginários no espaço, a e b. Tomando qualquer caminho que vá de a até b, a diferença de potencial entre esses dois pontos será*:

\Delta V = V(b) - V(a) = - \displaystyle \int_{a}^{b} \vec{E} \cdot d\vec{l}.

Onde d\vec{l} é o elemento de deslocamento ao longo do caminho tomado. Então, uma vez que se conheça o campo elétrico, somos perfeitamente capazes de determinar o potencial em qualquer ponto do espaço. Perceba que, para um campo homogêneo, \Delta V=-Ed_{ab}, como havíamos encontrado. Alternativamente, podemos obter o potencial extrapolando o limite de muitas cargas em:

V=\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0} \displaystyle \sum_{i=1}^{n} \dfrac{q_i}{r_i},

para o qual o somatório vira uma integral:

V=\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0} \displaystyle \int \dfrac{dq}{r}.

Para distribuições lineares, superficiais, ou volumétricas usamos \int \lambda dl, \int \sigma dA, ou \int \rho d \tau**, respectivamente. Usaremos com muito mais frequência a primeira definição de potencial aqui mostrada.

*OBS: Deduza! Utilize o trabalho em sua definição como uma integral e não particularize o campo.

**OBS: Substituímos momentaneamente a notação do elemento de volume de "dV" para "d\tau" para evitar a confusão com o potencial V.

Agora, observe o seguinte exemplo, que é muito recorrente em problemas de eletrostática:

Exemplo 5:

Calcule o potencial em todo o espaço para uma esfera condutora de carga q e raio R. Use zero para o potencial no infinito.

Solução:

Primeiramente, vamos lembrar do comportamento do campo, discutido na aula passada:

E(r)=0, para r<R,

\vec{E}(r)=\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0}\dfrac{q}{r^2} \hat{r}, para r>R.

Agora, vamos aplicar a definição de potencial para encontrarmos o potencial para um ponto externo à esfera. Para isso, vamos realizar um caminho que vem desde um ponto muito distante (infinito) até uma distância r>R da esfera. Sendo assim:

V(r)-0=-\displaystyle \int_{\infty}^{r} \dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0}\dfrac{q}{r^2} dr = \dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0} \dfrac{q}{r},

V(r)=\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0} \dfrac{q}{r}, para r \geq R.

O que era esperado, tendo em vista que, para pontos externos, uma casca esférica comporta-se exatamente como uma carga pontual concentrada na origem. Além disso, o potencial em sua superfície (uma equipotencial, pois todos os pontos estão a uma mesma distância R do centro) será:

V_{sup}=\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0} \dfrac{q}{R}.

Agora para pontos internos, ou seja, r \leq R:

V(r)-0=-\displaystyle \int_{\infty}^{R} \dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0}\dfrac{q}{r^2} dr-\displaystyle \int_{R}^{r} (0)dr,

V(r)=\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0} \dfrac{q}{R}, para r \leq R.

Veja então, que qualquer ponto dentro da esfera ou em sua superfície estão submetidos a um mesmo potencial! Por essa razão, este valor \left(\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0} \dfrac{q}{R}\right) é chamado de potencial elétrico da esfera (o potencial de qualquer ponto da esfera). O resultado, apesar de surpreendente, é facilmente justificado pelo fato de que, dentro da esfera, o campo é nulo; logo, todos os pontos precisam estar em equilíbrio eletrostático, o que leva à essa condição.

Energia de uma distribuição contínua

Até agora, falamos da energia de interação entre cargas. É evidente que, em uma distribuição contínua, haverá incontáveis cargas interagindo umas com as outras, gerando energia, mas não sabemos ainda uma forma de calculá-la conhecidas as características da nossa distribuição. Como um início, vamos recorrer ao exemplo 1, do início da aula. A energia do sistema de N cargas pontuais era:

U=\dfrac{1}{8\pi \epsilon_0}\displaystyle \sum_{i=1}^{N} \displaystyle \sum_{j=1}^{N} \dfrac{q_i q_j}{r_{ij}}.

Como a resposta não depende da ordem em que organizamos as cargas, o fator q_i será colocado em evidência:

U=\dfrac{1}{2} \displaystyle \sum_{i=1}^{N} q_i \left(\displaystyle \sum_{j=1}^{N} \dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0}\dfrac{q_j}{r_{ij}}\right)

Perceba que o termo em parênteses é (pelo princípio da superposição) o potencial total no ponto do espaço em que se encontra a carga q_i devido à todas as outras cargas. Sendo ele V_{r_i}:

U=\dfrac{1}{2} \displaystyle \sum_{i=1}^{N} q_i V_{r_i}.

No limite de N muito grande, vale, então:

U=\dfrac{1}{2} \displaystyle \int V dq.

Partindo disso,  e utilizando cálculo vetorial, é possível mostrar que a energia total de um sistema pode ser escrita em termos do campo elétrico mediante:

U=\dfrac{\epsilon_0}{2} \displaystyle \int E^{2} d \tau.

É preciso ter em mente que a integral deve ser feita sobre todo o espaço (como veremos no exemplo a seguir)! Assim, similarmente ao potencial, sabendo o campo elétrico no espaço podemos calcular a energia armazenada pelo sistema.

Veja o seguinte exemplo de aplicação:

Exemplo 6: 

Calcule a energia elétrica armazenada pela configuração do Exemplo 5.

Solução:

Do mesmo modo que no exemplo 5, dividiremos a integral em duas: uma para o interior da esfera (E=0), e uma para o exterior \left(E=\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0} \dfrac{q}{r^2}\right). Como o problema possui simetria esférica, usaremos o elemento de volume d \tau = 4 \pi r^2 dr (obtido derivando-se o volume de uma esfera de raio r, 4 \pi r^3 /3). Sendo assim:

U=\dfrac{\epsilon_0}{2}\left(\displaystyle \int_{0}^{R} (0) 4 \pi r^2 dr+\displaystyle \int_{R}^{\infty} \left(\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0} \dfrac{q}{r^2}\right)^2 4 \pi r^2 dr\right),

U=\dfrac{1}{8 \pi \epsilon_0} \displaystyle \int_{R}^{\infty} \dfrac{dr}{r^2},

U=\dfrac{1}{8 \pi \epsilon _0}\dfrac{q^2}{2R}=\dfrac{K_0 q^2}{2R}.

Conhecido como a "auto-energia" da esfera condutora. Voltaremos a discutir esse resultado em aulas futuras, sobre capacitância.

Agora que estamos em posse de ferramentas que nos permitem calcular a o potencial e energia de distribuições de carga, novas portas estão abertas no estudo da eletrostática. Os conceitos aqui explorados serão de suma importância ao longo do nosso curso.