Física - Ideia 26

Escrito por Antonio Italo

Nessa ideia, buscaremos introduzir o conceito de quadrivetores em relatividade. É importante ressaltar que, em geral, esse não é um assunto cobrado em provas (exceto algumas vezes na seletiva para as internacionais), contudo, pode ser muito útil para facilitar a resolução de questões frequentemente cobradas, como questões de colisões relativísticas.

Definição

Antes de partirmos para a definição de quadrivetor, qual é a definição de vetor? (Em 3 dimensões). Uma maneira interessante de definir um vetor é dizer que é um conjunto de três números que se transforma da mesma forma que o conjunto de três números \left(\Delta x, \Delta y, \Delta z \right), sobre uma mudança de eixos devido a uma mudança de sistema de coordenadas. Por exemplo, uma rotação por um ângulo \theta em torno do eixo z, pode ser representada por:

x'=x \cos \theta + y \sin \theta

y'= - x \sin \theta + y \cos \theta

z'=z

Ou, em notação matricial:

\begin{pmatrix} x' \\ y' \\ z' \end{pmatrix} = \begin{pmatrix} \cos \theta & \sin \theta & 0 \\ -\sin \theta & \cos \theta & 0 \\ 0 & 0 & 1 \end{pmatrix} \begin{pmatrix} x \\ y \\ z \end{pmatrix}

Então, para um certo conjunto de três valores \vec{A}= \left(A_{x}, A_{y}, A_{z} \right) ser considerado um vetor, a transformação deve ser do mesmo formato, ou seja:

\begin{pmatrix} A'_{x} \\ A'_{y} \\ A'_{z} \end{pmatrix} = \begin{pmatrix} \cos \theta & \sin \theta & 0 \\ -\sin \theta & \cos \theta & 0 \\ 0 & 0 & 1 \end{pmatrix} \begin{pmatrix} A_{x} \\ A_{y} \\ A_{z} \end{pmatrix}

Note que como estamos falando de rotações \left(\Delta x, \Delta y, \Delta z \right) se transforma da mesma maneira que \left( x, y, z \right), mas se falássemos de uma translação, esse não seria o caso. Se chamarmos a nossa matriz de rotação de \Lambda, por exemplo, a nossa notação pode ficar mais simples:

\vec{A}'=\Lambda \vec{A}

Dessa forma, podemos dizer que \vec{A} vai ser um vetor se a matriz \Lambda que representa sua transformação seja a mesma que representa a transformação do vetor \left( \Delta x, \Delta y, \Delta z \right) em qualquer tipo de transformação.

Sabendo dessa definição, temos algo completamente análogo para a definição de quadrivetores. Em relatividade, conhecemos as transformadas de Lorentz:

\Delta x' = \gamma \left(\Delta x - V \Delta t \right)

\Delta y' = \Delta y

\Delta z' = \Delta z

\Delta t' = \gamma \left( \Delta t - \dfrac{V}{c^{2}} \Delta x \right)

Como você já deve imaginar pelo nome, quadrivetores possuem quatro dimensões, dessa forma, por conveniência, faremos as seguintes mudança nos nomes de nossas variáveis:

x \rightarrow x_{1}

y \rightarrow x_{2}

z \rightarrow x_{3}

ct \rightarrow x_{4}

(O fator c foi adicionado por uma questão dimensional). Dessa forma, as transformadas de Lorentz podem ser escritas por:

\Delta x_{1}'=\gamma \left(\Delta x_{1}- \beta \Delta x_{4} \right)

\Delta x_{2}'=\Delta x_{2}

\Delta x_{3}'=\Delta x_{3}

\Delta x_{4}'=\gamma \left(\Delta x_{4} - \beta \Delta x_{1} \right)

Lembrando que:

\beta= \dfrac{V}{c}

\gamma= \dfrac{1}{\sqrt{1-\beta^{2}}}

Em notação matricial, poderíamos escrever:

\begin{pmatrix} x_{1}' \\ x_{2}' \\ x_{3}' \\ x_{4}' \end{pmatrix} = \begin{pmatrix} \gamma & 0 & 0 & -\gamma \beta \\ 0 & 1 & 0 & 0 \\ 0 & 0 & 1 & 0 \\ -\gamma \beta & 0 & 0 & \gamma \end{pmatrix} \begin{pmatrix} x_{1} \\ x_{2} \\ x_{3} \\ x_{4} \end{pmatrix}

Se chamarmos essa matriz que representa a transformação de Lorentz \Lambda e definirmos a matriz coluna como o quadrivetor \textsf{x} ou \textsf{x'}. Teremos:

\textsf{x'}=\Lambda \textsf{x}

Note que nesse caso, \Lambda é dada pela matriz que escrevemos acima, mas em outras situações, em que há uma rotação de eixos além da mudança de referencial ou a velocidade não aponta ao longo do eixo x, outras matrizes deveriam ser utilizadas. Em situações mais complexas, inclusive, é possível obtermos essas matrizes mais complexas de maneira simplificada a partir de multiplicações de matrizes. Voltando, temos então que a definição de um quadrivetor é: Um conjunto de quatro números \textsf{q}=\left(q_{1}, q_{2}, q_{3}, q_{4} \right) é um quadrivetor se a matriz de transformação \Lambda for a mesma que a matriz de transformação do conjunto de quatro números \Delta \textsf{x} = \left(\Delta x, \Delta y, \Delta z, c\Delta t \right) em qualquer mudança de referencial/sistema de coordenadas. (Na verdade, para ser mais preciso, deveríamos utilizar d \textsf{x}). Note que na situação acima, consideramos que a origem espacial dos referenciais S e S' coincidiam em t=t'=0. Sabendo disso, vamos para um exemplo onde a multiplicação de matrizes é útil para realizar uma transformada de Lorentz diferente.

Exemplo 1:

Encontre a matriz de transformação \Lambda para um quadrivetor \textsf{q} de um referencial S para um referencial S' sabendo que o referencial S' se move com velocidade \vec{V} em relação à S, porém, a velocidade está no plano xy fazendo um ângulo \theta com o eixo x (Medido de forma que o eixo y esteja em \theta=\dfrac{\pi}{2}). Note que os eixos do referencial S' são paralelos aos eixos do referencial S. Verifique para o caso \theta=0.

Solução:

Primeiramente vamos mudar o sistema de coordenadas através de uma matriz de rotação, de forma que o eixo x fique na mesma direção da velocidade de S', essa matriz será:

\Lambda_{1}=\begin{pmatrix} \cos\theta & \sin\theta & 0 & 0 \\ -\sin \theta & \cos \theta & 0 & 0 \\ 0 & 0 & 1 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & 1 \end{pmatrix}

Após isso, devemos aplicar a transformada padrão de Lorentz para V no eixo x:

\Lambda_{2}= \begin{pmatrix} \gamma & 0 & 0 & -\gamma \beta \\ 0 & 1 & 0 & 0 \\ 0 & 0 & 1 & 0 \\ -\gamma \beta & 0 & 0 & \gamma \end{pmatrix}

Agora, para completarmos nossa transformada, devemos retornar o eixo para sua orientação anterior, ou seja, devemos aplicar uma matriz de rotação com ângulo -\theta:

\Lambda_{3}=\begin{pmatrix} \cos\theta & -\sin\theta & 0 & 0 \\ \sin \theta & \cos \theta & 0 & 0 \\ 0 & 0 & 1 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & 1 \end{pmatrix}

Uma transformação para um certo quadrivetor \textsf{q} é então dada por:

\textsf{q'}=\Lambda_{3} \Lambda_{2} \Lambda_{1} \textsf{q}=\Lambda q

Note que a ordem de uma multiplicação de matrizes importa! Sendo assim, vale:

\Lambda=\Lambda_{3} \Lambda_{2} \Lambda_{1}

Vamos então realizar a multiplicação matricial:

\Lambda=\begin{pmatrix} \cos\theta & -\sin\theta & 0 & 0 \\ \sin \theta & \cos \theta & 0 & 0 \\ 0 & 0 & 1 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & 1 \end{pmatrix}\begin{pmatrix} \gamma & 0 & 0 & -\gamma \beta \\ 0 & 1 & 0 & 0 \\ 0 & 0 & 1 & 0 \\ -\gamma \beta & 0 & 0 & \gamma \end{pmatrix} \begin{pmatrix} \cos\theta & \sin\theta & 0 & 0 \\ -\sin \theta & \cos \theta & 0 & 0 \\ 0 & 0 & 1 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & 1 \end{pmatrix}

\Lambda= \begin{pmatrix} \gamma \cos\theta & -\sin \theta & 0 & - \gamma \beta \cos \theta \\ \gamma \sin \theta & \cos \theta & 0 & -\gamma \beta \sin \theta \\ 0 & 0 & 1 & 0\\ -\gamma \beta & 0 & 0 & \gamma \end{pmatrix} \begin{pmatrix} \cos\theta & \sin\theta & 0 & 0 \\ -\sin \theta & \cos \theta & 0 & 0 \\ 0 & 0 & 1 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & 1 \end{pmatrix}

\Lambda=\begin{pmatrix} \gamma \cos^{2} \theta + \sin^{2} \theta & \left( \gamma - 1 \right) \sin \theta \cos \theta & 0 & -\gamma \beta \cos \theta \\ \left(\gamma -1 \right) \sin \theta \cos \theta & \gamma \sin^{2} \theta + \cos^{2} \theta & 0 & -\gamma \beta \sin \theta \\ 0 & 0 & 1 & 0\\ -\gamma \beta \cos \theta & -\gamma \beta \sin \theta & 0 & \gamma \end{pmatrix}

Sendo então esse nosso resultado final. Note que com \theta=0 retornamos imediatamente para a transformação padrão de Lorentz.

Propriedades de Quadrivetores

Algumas propriedades importantes de quadrivetores podem ser muito interessantes:

Propriedade 1: A combinação linear de dois quadrivetores também é um quadrivetor, ou seja, se \textsf{q} e \textsf{p} são quadrivetores, então a\textsf{q}+b\textsf{p} também é um quadrivetor. Essa propriedade vem diretamente da linearidade da definição de quadrivetores.

Propriedade 2: Se derivarmos um quadrivetor em relação à uma grandeza invariante (não muda de referencial para referencial), a derivada também será um quadrivetor. Novamente, essa propriedade vem diretamente da linearidade da definição de quadrivetores, juntamente com a linearidade da definição de derivada.

Propriedade 3: Essa propriedade provavelmente é a mais utilizada em questões: A invariância do produto escalar. Ou seja, se \textsf{p} e \textsf{q} são dois quadrivetores, o produto escalar (que será definido logo a seguir) é invariante.

Propriedade 4: Também conhecida como regra do quociente, essa propriedade afirma que se \textsf{p} é um quadrivetor e \textsf{q} é uma quadrupla de valores tal que o produto escalar (utilizando a definição para quadrivetores) é invariante, então \textsf{q} também é um quadrivetor.

Propriedade 5: O produto escalar invariante é distribuitivo, ou seja: \left(\textsf{p+q}\right) \cdot \textsf{a} = \textsf{p} \cdot \textsf{a} + \textsf{q} \cdot \textsf{a}

Definição: O produto escalar invariante de dois quadrivetores \textsf{p}=\left(p_{1},p_{2},p_{3},p_{4}\right) e \textsf{q}=\left(q_{1},q_{2},q_{3},q_{4}\right) é dado por:

\textsf{p} \cdot \textsf{q} = p_{4}q_{4} - p_{3}q_{3} - p_{2}q_{2} - p_{1}q_{1}

OBS: Pelas definições de vetor e quadrivetor, os três primeiros membros do mesmo são sempre as componentes de um vetor, ou seja, podemos representar: \textsf{p}=\left(\vec{p},p_{4}\right). Dessa forma, o produto escalar invariante fica:

\textsf{p} \cdot \textsf{q}=p_{4}q_{4} - \vec{p} \cdot \vec{q}

sendo \vec{p} \cdot \vec{q} o produto escalar normal entre vetores.

OBS2: A definição de produto escalar invariante pode variar de livro para livro, com alguns autores preferindo escrever com o sinal oposto ao que utilizamos, da mesma forma, alguns autores enumeram as coordenadas  do quadrivetor de 0 até 3 de forma que a coordenada 0 seja a "componente temporal". Há ainda autores que colocam a componente temporal multiplicada pela unidade imaginária i = \sqrt{-1}, para que o produto escalar tenha o formato normal do produto escalar de três dimensões. Nós utilizaremos nessa ideia sempre as convenções mostradas anteriormente.

Demonstração: Produto escalar invariante

Para demonstrar que o produto escalar entre dois quadrivetores \textsf{p} e \textsf{q} é invariante sobre qualquer transformada de Lorentz basta mostrar que é invariante sobre uma transformação normal ao longo do eixo x e invariante sobre rotações, pois uma transformada qualquer pode ser decomposta nessas duas transformadas separadamente. Mostremos então que o mesmo é invariante sobre uma transformada normal ao longo do eixo x de um referencial S para um referencial S'.

\textsf{p'} \cdot \textsf{q'} = p_{4}'q_{4}' - p_{3}' q_{3}' - p_{2}' q_{2}' - p_{1}' q_{1}'

\textsf{p'} \cdot \textsf{q'}= \gamma^{2} \left(p_{4} - \beta p_{1} \right) \left(q_{4} - \beta q_{1} \right) - p_{3} q_{3} - p_{2} q_{2} - \gamma^{2} \left(p_{1} - \beta p_{4} \right) \left( q_{1} - \beta q_{4} \right)

\textsf{p'} \cdot \textsf{q'} = \gamma^{2} \left( p_{4} q_{4} - \beta p_{4} q_{1} - \beta p_{1} q_{4} + \beta^{2} p_{1} q_{1}\right) - p_{3}q_{3} - p_{2} q_{2} - \gamma^{2} \left(p_{1} q_{1} - \beta p_{1} q_{4} - \beta p_{4} q_{1} + \beta^{2} p_{4} q_{4} \right)

Sabendo que \gamma^{2} \left( 1 - \beta^{2} \right) =1, temos:

\textsf{p'} \cdot \textsf{q'} = p_{4}q_{4} - p_{3} q_{3} - p_{2} q_{2} - p_{1} q_{1} = \textsf{p} \cdot \textsf{q}

Agora, como demonstramos a invariância sobre rotações? Simples, basta notar que as componentes "temporais" não variam sobre rotações, portanto, basta sabermos que o produto escalar entre as duas componentes é invariante sobre rotações, o que é um fato conhecido. Conhecendo esses fatos, vamos agora encontrar os quadrivetores importantes para realização de questões.

Principais Quadrivetores

Antes de definirmos alguns quadrivetores, vamos definir o seguinte invariante: o tempo próprio \tau de um objeto. Essa grandeza é o tempo visto pelo referencial do objeto em questão, sendo assim, não muda de referencial para referencial, pois é o tempo em um referencial bem especificado. Portanto, \tau é um invariante. Note que, pela dilatação do tempo, vale:

dt = \gamma d\tau

Quadrivelocidade

A quadrivelocidade é obtida ao diferenciar o quadrivetor posição em relação ao tempo próprio, ou seja:

\textsf{V}=\dfrac{d \textsf{x}}{d \tau}

Utilizando a regra da cadeia, temos:

\textsf{V}=\dfrac{d \textsf{x}}{d t} \dfrac{dt}{d \tau}

\textsf{V}=\left(\gamma \vec{v}, \gamma c \right)

A partir da quadrivelocidade, é possível encontrar as transformadas de velocidade (Tente!).

Quadriaceleração

Derivando a quadrivelocidade em relação ao tempo próprio, temos:

\textsf{A}=\dfrac{d\textsf{V}}{dt} \dfrac{dt}{d \tau} = \gamma \left(\dfrac{d\left(\gamma \vec{v} \right)}{dt},c \dfrac{d \gamma}{dt}\right)= \left(\gamma^{4} \dfrac{\vec{v}\cdot \vec{a}}{c^{2}} \vec{v}+ \gamma^{2} \vec{a},\gamma^{4} \dfrac{\vec{v} \cdot \vec{a}}{c} \right)

Quadrimomento

Multiplicando a quadrivelocidade, pela massa de repouso do corpo em questão (Invariante), obtemos o quadrimomento ou quadrivetor momento-energia:

\textsf{P}=m \textsf{V} = \left( \gamma m \vec{v}, \dfrac{\gamma m c^{2}}{c} \right) = \left( \vec{p}, \dfrac{E}{c} \right)

Daí, obtemos automaticamente as transformadas de energia e momento. Esse provavelmente será o quadrivetor que você mais utilizará para resolver questões, pois a conservação do mesmo é a conservação do momento e da energia em uma só equação. Uma propriedade muito importante do Quadrimomento é que seu módulo ao quadrado é dado por:

\textsf{P}^{2}=\dfrac{E^{2}}{c^{2}}-p^{2}=m^{2}c^{2}

devido a relação pitagórica da energia (E^{2}=\left(mc^{2}\right)^{2}+\left(pc\right)^{2}).

Quadrivetor número de onda

Apesar de termos deduzido o fato do quadrimomento ser um quadrivetor para uma partícula com massa de repouso não nula, o mesmo também é um quadrivetor para fótons que possuem massa de repouso nula. Sabendo disso, podemos aplicar para os mesmos relações da física moderna para encontrar um novo quadrivetor. Divida o quadrimomento por \hbar=\dfrac{h}{2 \pi}:

\textsf{K}=\left(\dfrac{\vec{p}}{\hbar},\dfrac{1}{c}\dfrac{E}{\hbar}\right)=\left(\vec{k},\dfrac{\omega}{c} \right)

Sabendo disso, é simples deduzir, por exemplo, o efeito doppler relativístico.

Quadriforça

Derivando o quadrimomento em relação ao tempo próprio, obtemos a quadriforça:

\textsf{F}=\dfrac{d\textsf{P}}{dt} \dfrac{dt}{d \tau}=\left(\gamma \vec{F}, \dfrac{1}{c} \gamma \dfrac{dE}{dt} \right) = \left(\gamma \vec{F}, \dfrac{1}{c} \gamma \vec{F} \cdot \vec{v} \right)

Daí, podemos encontrar as transformadas de força.

Agora que temos o conhecimento básico sobre quadrivetores e suas propriedades, podemos finalmente aplicá-lo em uma questão e ver o quão forte é essa ferramenta.

Aplicando a conservação do quadrimomento

A primeira aplicação da conservação do quadrimomento que vamos ver é uma situação clássica: O efeito Compton. Resolveremos esse exemplo de duas maneiras: A maneira tradicional com conservação de energia e momento separadamente e depois utilizando a conservação do quadrimomento.

Exemplo 2:

Um elétron em repouso de massa m é atingido por um fóton de comprimento de onda \lambda_{0}. Sabendo que o elétron e o fóton se espalharão de forma que o fóton fará um ângulo \theta com a direção na qual incidiu, determine a variação do comprimento de onda do fóton.

Solução 1:

Conservando a energia, temos:

mc^{2}+\dfrac{hc}{\lambda_{0}}=E+\dfrac{hc}{\lambda}

Conservando o momento (vetorialmente):

\vec{p}_{f0}=\vec{p}_{f}+\vec{p}_{e}

Uma técnica muito utilizada para esse tipo de problema é isolar o vetor do qual não temos conhecimento e elevarmos ao quadrado (produto escalar de vetores):

\vec{p}_{e}=\vec{p}_{f0}-\vec{p}_{f}

p_{e}^{2}=p_{f0}^{2}+p_{f}^{2}-2 \vec{p}_{f0} \cdot \vec{p}_{f} = \dfrac{h^{2}}{\lambda_{0}^{2}}+\dfrac{h^{2}}{\lambda^{2}}-\dfrac{2h^{2}}{\lambda_{0} \lambda}\cos \theta

Substituindo a relação pitagórica da energia para o elétron no final:

\dfrac{E^{2}}{c^{2}}-m^{2}c^{2}= \dfrac{h^{2}}{\lambda_{0}^{2}}+\dfrac{h^{2}}{\lambda^{2}}-\dfrac{2h^{2}}{\lambda_{0} \lambda}\cos \theta

Substituindo E da conservação da energia e manipulando:

\dfrac{\left(mc^{2}+hc \left(\dfrac{1}{\lambda_{0}}-\dfrac{1}{\lambda}\right)\right)^{2}}{c^{2}}-m^{2}c^{2}=\dfrac{h^{2}}{\lambda_{0}^{2}}+\dfrac{h^{2}}{\lambda^{2}}-\dfrac{2h^{2}}{\lambda_{0} \lambda}\cos \theta

Abrindo o quadrado perfeito (duas vezes) e cancelando alguns termos:

2hmc\left(\dfrac{1}{\lambda_{0}}-\dfrac{1}{\lambda}\right)-\dfrac{2h^{2}}{\lambda_{0}\lambda}=-\dfrac{2h^{2}}{\lambda_{0}\lambda}\cos \theta

Simplificando:

\Delta \lambda = \dfrac{h}{mc} \left(1 - \cos \theta \right)

Note que esse caminho que tomamos já evitou diversas contas, pois ao tratar a conservação do momento vetorialmente como um todo as coisas se tornaram bem mais simples do que se tivessemos tratado de componentes, porém ainda houve um certo trabalho em abrir vários quadrados perfeitos. Agora, vejamos a solução dois onde simplificaremos mais ainda os cálculos.

Solução 2:

Escrevamos a conservação do quadrimomento do sistema:

\textsf{P}_{0e}+\textsf{P}_{0f}=\textsf{P}_{e}+\textsf{P}_{f}

Já que queremos evitar utilizar dados sobre a direção de espalhamento do elétron, isolemos seu quadrimomento e elevemos a eq. ao quadrado:

\textsf{P}_{e}^{2}=\textsf{P}_{0e}^{2}+\textsf{P}_{0f}^{2}+\textsf{P}_{f}^{2}+2\textsf{P}_{0e}\cdot\textsf{P}_{0f}-2\textsf{P}_{0e}\cdot\textsf{P}_{f}-2\textsf{P}_{0f}\cdot\textsf{P}_{f}

Já que o quadrimomento ao quadrado é m^{2}c^{2}, o mesmo será 0 para os fótons e cancelará para o elétron antes e depois, sendo assim:

\textsf{P}_{0f}\cdot\textsf{P}_{f}=\textsf{P}_{0e}\cdot\textsf{P}_{0f}-\textsf{P}_{0e}\cdot\textsf{P}_{f}

Calculando os produtos escalares:

\dfrac{h^{2}}{\lambda_{0} \lambda} \left(1- \cos \theta \right) = hmc \left(\dfrac{1}{\lambda_{0}}-\dfrac{1}{\lambda}\right)

\Delta \lambda = \dfrac{h}{mc} \left(1- \cos \theta \right)

Apesar de nessa solução também ser necessária a abertura de alguns quadrados perfeitos, a solução é bem mais direta e sem a necessidade de basicamente nenhuma manipulação. A mesma ideia pode ser aplicada em diversas outras questões de colisões relativísticas, até mesmo em três dimensões. Além disso, há uma desigualdade muito interessante a respeito do quadrimomento que é extremamente útil em questões de máximos e mínimos:

\textsf{P}_{a} \cdot \textsf{P}_{b} \geq m_{a} m_{b} c^{2}

Demonstrar essa desigualdade é um dos exercícios deixados ao final dessa ideia.

Referencial do Centro de momento

O referencial do centro de momento de um sistema de partículas em relatividade é algo análogo ao referencial do centro de massa de um sistema na mecânica clássica. Definiremos esse referencial de forma que o momento total no mesmo seja zero. Conhecendo o quadrivetor momento energia, sabemos que a transformada de momento (no eixo x) para uma mudança de referencial ao longo do eixo x, é dada por:

p'_{x} = \gamma \left( p_{x} - \dfrac{VE}{c^{2}}\right)

Se tomarmos o eixo x ao longo da direção do momento total, vale então:

\vec{p}' = \gamma \left( \vec{p} - \vec{V} \dfrac{E}{c^{2}} \right)

pois \vec{V} é um vetor apontando ao longo do eixo x. Sabendo disso, a velocidade do centro de momento \vec{V}_{CM} é dada por:

\vec{V}_{CM}=\dfrac{\vec{p}}{\dfrac{E}{c^{2}}}=\dfrac{\vec{p} c^{2}}{E}

Da mesma forma que é interessante trabalhar no referencial do centro de massa em diversos problemas de mecânica clássica (Ver Ideia 24), trabalhar no referencial do centro de momento pode ser muito útil em diversas questões de  relatividade, além disso, pode-se muitas vezes utilizar o fato do produto escalar entre quadrivetores ser invariante para trabalhar com os mesmos em referenciais diferentes de forma a simplificar nossos cálculos. Um exemplo disso pode ser visto a seguir.

Exemplo 3:

Uma partícula de massa m com energia E colide com outra partícula idêntica em repouso. Qual o valor mínimo de E para que o estado final após a colisão seja de N partículas com massa m?

Solução:

Como o quadrimomento do sistema se conserva tanto no referencial do laboratório quanto no referencial do centro de momento, vale que:

\textsf{P}^{\left(antes\right)}_{Lab} \cdot \textsf{P}^{\left(antes\right)}_{Lab}=\textsf{P}^{\left(depois\right)}_{CM} \cdot \textsf{P}^{\left(depois\right)}_{CM}

Note que aqui estamos nos referindo sempre ao quadrimomento total do sistema. Calculando o lado esquerdo da equação:

\textsf{P}^{\left(antes\right)}_{Lab} = \textsf{P}^{\left(parada\right)}_{m}+\textsf{P}^{\left(movimento\right)}_{m}

\textsf{P}^{\left(antes\right)}_{Lab} \cdot \textsf{P}^{\left(antes\right)}_{Lab} = 2m^{2}c^{2}+2Em

Já o lado direito:

\textsf{P}^{\left(depois\right)}_{CM} \cdot \textsf{P}^{\left(depois\right)}_{CM} = \dfrac{E_{CM}^{2}}{c^{2}}

Portanto:

E = \dfrac{E_{CM}^{2}}{2c^{2}} - mc^{2}

Agora resta minimizar a energia no referencial do centro de momento, mas isso é simples: Basta todas as partículas estarem em repouso nesse referencial, já que o momento total é zero.

Dessa forma:

E_{min} = \left( \dfrac{N^{2}}{2} - 1 \right) mc^{2}

Exercícios Relacionados

1 - Efeito Doppler

Utilizando as transformadas de Lorentz para o quadrivetor número de onda encontre a fórmula geral para o efeito Doppler com fonte móvel e observador parado:

\omega = \dfrac{ \omega_{0}}{\gamma \left( 1 - \beta \cos \theta \right) }

Sendo \omega a frequência angular recebida pelo observador, \omega_{0} a frequência ângular emitida pela fonte em repouso, \theta o ângulo entre o movimento da fonte no instante da emissão e a direção de propagação da luz recebida pelo observador, \gamma o fator de Lorentz para o movimento da fonte e \beta = \dfrac{V}{c}, sendo V a velociade da fonte. Verifique os casos particulares de efeito Doppler transversal e longitudinal.

2 - Adição de Velocidades

Utilizando a transformada de Lorentz para o quadrivetor velocidade, encontre as expressões comumente utilizadas para a adição de velocidades.

u'_{x} = \dfrac{u_{x} - V}{1 - \dfrac{u_{x} V}{c^{2}}}

u'_{y} = \dfrac{u_{y}}{\gamma \left( 1 - \dfrac{u_{x} V}{c^{2}} \right)}

u'_{z} = \dfrac{u_{z}}{\gamma \left( 1 - \dfrac{u_{x} V}{c^{2}} \right)}

Sendo \gamma = \dfrac{1}{\sqrt{1 - \dfrac{V^{2}}{c^{2}}}}

Dica

Será útil utilizar a identidade da questão número 6.

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3 - Uma desigualdade interessante

A partir de uma mudança de referencial, demonstre a desigualdade mencionada ao longo da Ideia:

\textsf{P}_{a} \cdot \textsf{P}_{b} \geq m_{a} m_{b} c^{2}.

Em qual situação ocorre a igualdade?

4 - Bremsstrahlung

Um elétron relativístico de massa m e velocidade u colide com um núcleo estacionário de massa M e emite um fóton como forma de radiação de frenagem (bremsstrahlung, do alemão) em uma direção qualquerq. Mostre que a máxima energia do fóton emitido é dada por:

E = \dfrac{\left(\gamma \left(u \right) - 1 \right) Mm c^{2} } {M + \gamma \left(u \right) m \left(1 - \dfrac{u}{c} \right)}

Onde \gamma \left(u \right) é o fator de Lorentz para a velocidade do elétron u.

5 - Generalização

Uma partícula de massa m e energia E colide com uma partícula estacionária de massa M, qual é o valor mínimo da energia E para que o estado final após a colisão seja de N partículas m_{1}, m_{2}, m_{3}... m_{N}.

Gabarito

E_{min} = \dfrac{ \left( \left( \sum \limits_{i=1}^{N}m_{i}\right)^{2} - \left(m^{2}+M^{2}\right) \right)c^{2}}{2M}

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6 - Transformada de Lorentz para fatores de Lorentz

A partir das transformadas de Lorentz para algum quadrivetor, mostre que:

\gamma \left(\vec{u}+\vec{v}\right) = \gamma \left(u\right) \gamma \left(v\right) \left(1 - \dfrac{\vec{u} \cdot \vec{v}}{c^{2}} \right)

Onde \gamma \left(x \right) = \dfrac{1}{\sqrt{1-\dfrac{x^{2}}{c^{2}}}} e \vec{u}+\vec{v} não representa a adição vetorial de velocidades, mas sim a adição relativística de velocidades.

Dica

Considere uma partícula que se move com velocidade \vec{u} no referencial S e aplique a transformada para a energia da partícula em S para um referencial S', que se move com velocidade \vec{v} relativa a S. Escreva a energia e o momento com as fórmulas padrão utilizando os fatores de Lorentz corretos. Também pode-se utilizar as transformadas da "componente temporal" da quadrivelocidade.

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7 - Três partículas

Conforme a imagem abaixo, 3 partículas de velocidades v iguais se afastam fazendo 120^{\circ} com respeito uma a outra, conforme na imagem a seguir:

Calcule o ângulo \theta visto por uma das partículas, conforme na imagem a seguir:

Dica

Utilizar a invariância do produto escalar da quadrivelocidade com diferentes quadrivelocidades e referenciais será muito útil para resolução desse problema.

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Gabarito

\theta = \dfrac{1}{2} \cos^{-1} \left( \dfrac{2c^{2} + v^{2}}{4c^{2} - v^{2}} \right)

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8 - Um pouco mais de Efeito Compton

Mostre que o ângulo de espalhamento do elétron no Efeito Compton \phi obedece a relação:

\cot \phi =\left(1+\dfrac{\lambda_{c}}{\lambda_{0}}\right) \tan \dfrac{\theta}{2}

sendo \lambda_{c} definido por:

\lambda_{c} = \dfrac{h}{mc}