Aula 1.10 Momento angular

Escrito por Matheus Felipe R. Borges

Nesta aula vamos definir e estudar o momento angular. Ressalto que, para essa aula, o uso de notação vetorial e noções de cálculo - derivada e integral - será imprescindível. Portanto, recomenda-se que o aluno possua ideias básicas e intuição acerca de derivadas e integrais, além de um bom conhecimento e prática com operações vetoriais (produto escalar, vetorial, bem como regras básicas). Para revisar operações de produtos com vetores, consulte a aula passada 1.10. Com relação ao estudo de cálculo aplicado na Física, recomendamos a Ideia 11 (clique aqui para acessá-la).

Momento angular

Introdução: momento angular de uma partícula pontual

Vamos considerar uma partícula em um ponto P com vetor posição \vec{r}. Se aplicarmos uma força \vec{F} na partícula o torque em relação à origem será

\vec{\tau}=\vec{r}\times\vec{F}

a segunda lei de Newton nos diz que

\vec{F}=\dfrac{d\vec{p}}{dt}

onde \vec{p} é o momento linear da partícula, ou seja,

\vec{\tau}=\vec{r}\times\dfrac{d\vec{p}}{dt}

podemos somar e subtrair o termo \dfrac{d\vec{r}}{dt}\times\vec{p}

\vec{\tau}=\vec{r}\times\dfrac{d\vec{p}}{dt}+\dfrac{d\vec{r}}{dt}\times\vec{p}-\dfrac{d\vec{r}}{dt}\times\vec{p}

mas sabemos que \dfrac{d\left(\vec{r}\times\vec{p}\right)}{dt}=\vec{r}\times\dfrac{d\vec{p}}{dt}+\dfrac{d\vec{r}}{dt}\times\vec{p}, logo

\vec{\tau}=\dfrac{d\left(\vec{r}\times\vec{p}\right)}{dt}-\dfrac{d\vec{r}}{dt}\times\vec{p}

porém, \dfrac{d\vec{r}}{dt} é a velocidade da partícula, a velocidade e o momento linear têm a mesma direção e sentido, ou seja

\left|\dfrac{d\vec{r}}{dt}\times\vec{p}\right|=\left|\dfrac{d\vec{r}}{dt}\right|\left|\vec{p}\right|\sin{0}=0

concluímos que

\vec{\tau}=\dfrac{d\left(\vec{r}\times\vec{p}\right)}{dt}

\vec{\tau}=\dfrac{d\vec{L}}{dt}

onde definimos

\vec{L} \equiv \vec{r}\times\vec{p}

como sendo o momento angular da partícula em relação ao ponto P. O momento angular exerce um papel na dinâmica das rotações como o momento linear exerce na dinâmica, em geral. Note que caso o torque seja nulo o momento angular se conserva.

L=rp\sin{\varphi}

\varphi é o ângulo entre os vetores \vec{p} e \vec{r}. Assim como o torque (visto na aula anterior) podemos reescrever esse resultado de duas formas, que ressaltam aspectos diferentes. Primeiro, decompor \vec{p} na direção perpendicular à \vec{r}

Figura 1: Componente do momento linear.

 

p_{\perp}=p\sin{\varphi}

então

L=rp_{\perp}

Podemos também expressar o momento angular por

L=r_{\perp}p=bp

onde b=r_{\perp}=r\sin{\varphi} é a distância de P à direção do momento linear.

Figura 2: Distância à direção do momento linear.

 

Forças centrais

Forças centrais são forças do tipo

\vec{F}=F(r)\hat{r}

ou seja, sempre apontam na direção da origem.

Figura 3: Força central.

Então \vec{F} e \vec{r} possuem a mesma direção, logo

|\tau|=|\vec{r}\times\vec{F}|=|\vec{r}||\vec{F}|\sin{0}=0

\dfrac{d\vec{L}}{dt}=\vec{0}

Portanto, o momento angular é constante. Vamos resolver um exemplo de caso com forças centrais:

Exemplo 1: Considere um pequeno disco de massa m que desliza sem atrito sobre uma mesa horizontal, girando em torno do centro O da mesa, ao qual está ligado por um fio que passa por um orifício no ponto O e é puxado verticalmente para baixo. Considere que inicialmente o disco tem velocidade V_0 e percorre uma trajetória circular de raio R_0, se o raio diminuir a metade qual a nova velocidade do disco?

Sabemos que a força de tração do fio sempre passa pelo ponto O, ou seja, o torque em torno do ponto O é nulo, então podemos conservar o momento angular em relação aquele ponto

L=R_0(mV_0)=\dfrac{R_0}{2}(mV)

portanto,

V=2V_0

Figura 4: Mesa com um orifício.

 

Momento angular de um sistema de partículas

Considere um sistema formado por n partículas, sendo m_i, \vec{r}_i e \vec{V_i} a massa, a posição e a velocidade da partícula i em relação a uma origem P.

Figura 5: Sistema de partículas.

O momento angular total do sistema é

\vec{L}=\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{\vec{r}_i\times\vec{p}_i}=\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{m_i\vec{r}_i\times\vec{V}_i}

podemos escrever a velocidade como

\vec{V}_i=\vec{V}_{i/cm}+\vec{V}_{cm}

Onde \vec{V}_{cm} é a velocidade do centro de massa das partículas e \vec{V}_{i/cm} é a velocidade da i-ésima partícula em relação ao centro de massa.

\vec{L}=\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{m_i\vec{r}_i\times\vec{V}_i}=\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{m_i\vec{r}_i\times(\vec{V}_{i/cm}+\vec{V}_{cm})}

\vec{L}=\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{m_i\vec{r}_i\times\vec{V}_{i/cm}}+\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{m_i\vec{r}_i\times\vec{V}_{cm}}

como a velocidade do centro de massa é sempre a mesma podemos escrever

\vec{L}=\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{m_i\vec{r}_i\times\vec{V}_{i/cm}}+\left(\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{m_i\vec{r}_i}\right)\times\vec{V}_{cm}

Sabemos que r_{cm}=\dfrac{\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{m_i\vec{r}_i}}{\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{m_i}} é a posição do centro de massa, considere M=\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{m_i} (M é a massa total do sistema).

\vec{L}=\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{m_i\vec{r}_i\times\vec{V}_{i/cm}}+M\left(\vec{r}_{cm}\times\vec{V}_{cm}\right)

Esse é um resultado importante, ele nos diz que podemos dividir o momento angular em dois termos. O primeiro termo seria o momento angular spin \vec{L}_{spin}=\displaystyle \sum_{i=1}^{n}{m_i\vec{r}_i\times\vec{V}_{i/cm}}, que pode ser traduzido como o momento angular total no referencial do centro de massa, uma espécie de "momento angular interno" do sistema. O segundo termo seria o momento angular orbital \vec{L}_{orbital}=M\left(\vec{r}_{cm}\times\vec{V}_{cm}\right), que pode ser interpretado como um momento "angular externo" do sistema. Esse é um resultado muito importante principalmente no estudo de corpos rígidos, pois no referencial do centro de massa de um corpo rígido todos os pontos rodam com a mesma velocidade angular, então as equações ficam (podemos tratar um corpo rígido homogêneo como um conjunto de várias pequenas massas infinitesimais dm, então trocamos a somatória por uma integral).

\vec{L}=\displaystyle \int{\left(\vec{r}\times\vec{V}_{P/cm}\right)}dm+M\left(\vec{r}_{cm}\times\vec{V}_{cm}\right)

para um corpo rigido que gira com velocidade angular \vec{\omega} em torno do centro de massa \vec{V}_{P/cm}=\vec{\omega}\times\vec{r}, então

\vec{L}=\displaystyle \int{\left[\vec{r}\times(\vec{\omega}\times\vec{r})\right]}dm+M\left(\vec{r}_{cm}\times\vec{V}_{cm}\right)

usando a relação \vec{a}\times(\vec{b}\times\vec{c})=\vec{b}(\vec{a}\cdot\vec{c})-\vec{c}(\vec{a}\cdot\vec{b})

\vec{r}\times(\vec{\omega}\times\vec{r})=\vec{\omega}(\vec{r}\cdot\vec{r})-\vec{r}(\vec{\omega}\cdot\vec{r})

como \vec{\omega} e \vec{r} são perpendiculares \vec{\omega}\cdot\vec{r}={\omega}r\cos{\frac{\pi}{2}=0}

\vec{L}=\vec{\omega}\displaystyle \int{r^2}dm+M\left(\vec{r}_{cm}\times\vec{V}_{cm}\right)

o termo I_{cm}=\displaystyle \int{r^2}dm é o momento de inércia em relação ao centro de massa do sistema (momento de inércia será abordado de forma mais aprofundado na aula 1.12), concluímos que

\vec{L}={I_{cm}} \vec{\omega}+M\left(\vec{r}_{cm}\times\vec{V}_{cm}\right)

Esse é um resultado muito usado no estudo de corpos rígidos.

Figura 6: Corpo rígido rodando (referencial do centro de massa)

Exemplo 2: Suponha que você lance uma esfera de massa m e raio R horizontalmente com velocidade V_0 em um solo horizontal com coeficiente de atrito \mu. Determine a velocidade final da esfera. (O momento de inércia em relação ao centro de massa da esfera é I_{cm}=\dfrac{2}{5}mR^2)

Figura 7: Forças na esfera.

Note que enquanto existe força de atrito a esfera vai mudar tanto a velocidade angular tanto a linear. O atrito cessa quando a esfera estiver se movendo em um rolamento puro. Perceba que a esfera está em equilíbrio na vertical, ou seja, o torque do peso e da normal se anulam em relação a um dado ponto P no solo e como o atrito sempre aponta na direção desse ponto o torque do atrito é nulo. Portanto, o torque total em relação ao ponto P é nulo, logo podemos conservar o momento angular em relação a esse ponto.

Figura 8: velocidades da esfera

sabemos que

{L}={I_{cm}}{\omega}+mRV

então

{L}=mRV_0={I_{cm}}{\omega}+mRV

como no fim a esfera está em um rolamento puro V={\omega}{R}, concluímos

V=\dfrac{5}{7}V_0